"Em cada homem há dois que dançam: o esquerdo. O direito e um dançarino - o direito. O outro - o esquerdo. Dois dançarinos de ar. Dois pulmões. O pulmão direito e o esquerdo. Em cada homem há dois que dançam - o pulmão direito e o esquerdo. Os pulmões dançam e o homem recebe oxigênio. Se você pegar uma pá e bater no peito de um homem na altura dos pulmões, as danças param. Os pulmões não dançam mais. O oxigênio não chega." Ivan Viripaev (1974).
http://youtu.be/nKpV0uFxQ5Y
Abaixo reproduzo o texto de Maria Eugênia de Menezes publicado em "O Estado de São Paulo" em 23/09/2011, Caderno 2, D5, a respeito da peça "Oxigênio":
"Partitura de haicai
Dividido em "10 composições", Oxigênio traz números de rock que contaminam a prosa poéticaMARIA EUGÊNIA DE MENEZES - O Estado de S.Paulo
A combinação é estranha. Terrorismo, pedofilia, fanatismo religioso, amor romântico e rock pesado: todas essas são questões que despontam em Oxigênio, espetáculo que a Cia. Brasileira de Teatro estreia hoje no Sesc Consolação. Não dá para negar o inusitado da combinação. O surpreendente é quanto essa miscelânea funciona no palco.
Depois de se destacar como revelação do Festival de Curitiba deste ano e cumprir uma temporada no Rio, a montagem já aporta em São Paulo com a chancela da crítica. Cercada pelo mesmo lastro de unanimidade que envolvia Vida, criação anterior do grupo do diretor Marcio Abreu. As temáticas dos dois espetáculos, aliás, são completamente diversas. Seus processos de criação também: um deles partia de uma dramaturgia própria, o outro de um texto acabado. Ambos, porém, dão notícia da maturidade que a companhia curitibana alcançou e ajudam a demarcar o novo lugar que ela passa a ocupar na cena nacional.
Oxigênio empreende um mergulho em um autor inédito no País. O siberiano Ivan Viripaev é hoje um dos nomes de maior destaque da dramaturgia russa. Já foi descoberto na Europa. Mas seguia desconhecido por aqui. Fortemente marcada pelo contexto em que foi concebida, a obra de Viripaev dá conta de uma série de particularidades da Rússia hoje. Também evoca o passado soviético, ao impregnar sua história de ecos de Crime e Castigo - a obra máxima de Dostoievski.
Curiosamente, foi nesse texto que o diretor Marcio Abreu encontrou o esteio para reafirmar vários dos princípios estéticos que já notabilizavam a companhia: a maneira peculiar com que os intérpretes se colocam em cena, a linguagem que escapa de uma prosa lógica e coerente, a recusa à representação. "Fizemos um pouco mais do que uma tradução", explica o diretor. "Essa obra está marcada por uma realidade muito específica, da nova dramaturgia russa. A grande chave dessa escrita era como tirá-la dessa sua especificidade e ampliar as suas questões."
Em seu drama, Viripaev mobiliza uma fábula aparentemente simples. Um homem do interior da Rússia apaixona-se por uma moça que conhece em Moscou. Mobilizado pelos sentimentos imprevistos, retorna a casa e mata, com golpes de pá, sua mulher. Tal enredo é apenas um pretexto para que outra coisa se dê em cena. Ainda que não seja, em absoluto, desimportante. Será justamente por meio dele que o autor se lançará a outros temas. Abrirá dezenas de janelas. Sem necessariamente deter-se sobre nenhuma delas.
Marcio Abreu considera Oxigênio uma peça de geração, dos que nasceram nos anos 1970. Não só pelos assuntos que mobiliza. Mas pela forma como o faz. Sem empunhar qualquer bandeira. Relativizando qualquer moral ou verdade. Movendo-se por paradoxos, dúvidas. "É uma maneira de se relacionar com as coisas com certa fragilidade. De ser passional e racional ao mesmo tempo", diz o encenador.
Em nenhum momento, os intérpretes Rodrigo Bolzan e Patricia Kamis representam personagens. Entre um número de rock e outro, eles apenas narram a história do arrebatado amor de Sacha. E são, constantemente, instados a reafirmar sua presença diante do público. O procedimento não é novo. Remete ao tom performático que contamina o teatro contemporâneo há algum tempo - pelo menos desde os anos 1970. Mas exibe um frescor raro na forma como transfere o centro da cena para o espectador. Constrói um espaço onde quem assiste e quem está no palco compartilham uma mesma experiência.
Dividido em "10 composições", o texto de Viripaev assemelha-se a uma partitura musical. Existem trechos inteiros que se repetem. Funcionam como refrões e contaminam a prosa com laivos de lirismo. "Essas repetições possuem um valor sonoro e de sentido que remetem a forma de um poema, de um haicai", considera Abreu. A partir de determinado momento, a história do romance entre os dois personagens termina. A peça, contudo, ainda segue por algum tempo. Permanece no encalço de algumas perguntas: o que é essencial para cada um? O que é oxigênio para você? "
Excelente domingo chuvoso a todos,
Marcos.
Depois de se destacar como revelação do Festival de Curitiba deste ano e cumprir uma temporada no Rio, a montagem já aporta em São Paulo com a chancela da crítica. Cercada pelo mesmo lastro de unanimidade que envolvia Vida, criação anterior do grupo do diretor Marcio Abreu. As temáticas dos dois espetáculos, aliás, são completamente diversas. Seus processos de criação também: um deles partia de uma dramaturgia própria, o outro de um texto acabado. Ambos, porém, dão notícia da maturidade que a companhia curitibana alcançou e ajudam a demarcar o novo lugar que ela passa a ocupar na cena nacional.
Oxigênio empreende um mergulho em um autor inédito no País. O siberiano Ivan Viripaev é hoje um dos nomes de maior destaque da dramaturgia russa. Já foi descoberto na Europa. Mas seguia desconhecido por aqui. Fortemente marcada pelo contexto em que foi concebida, a obra de Viripaev dá conta de uma série de particularidades da Rússia hoje. Também evoca o passado soviético, ao impregnar sua história de ecos de Crime e Castigo - a obra máxima de Dostoievski.
Curiosamente, foi nesse texto que o diretor Marcio Abreu encontrou o esteio para reafirmar vários dos princípios estéticos que já notabilizavam a companhia: a maneira peculiar com que os intérpretes se colocam em cena, a linguagem que escapa de uma prosa lógica e coerente, a recusa à representação. "Fizemos um pouco mais do que uma tradução", explica o diretor. "Essa obra está marcada por uma realidade muito específica, da nova dramaturgia russa. A grande chave dessa escrita era como tirá-la dessa sua especificidade e ampliar as suas questões."
Em seu drama, Viripaev mobiliza uma fábula aparentemente simples. Um homem do interior da Rússia apaixona-se por uma moça que conhece em Moscou. Mobilizado pelos sentimentos imprevistos, retorna a casa e mata, com golpes de pá, sua mulher. Tal enredo é apenas um pretexto para que outra coisa se dê em cena. Ainda que não seja, em absoluto, desimportante. Será justamente por meio dele que o autor se lançará a outros temas. Abrirá dezenas de janelas. Sem necessariamente deter-se sobre nenhuma delas.
Marcio Abreu considera Oxigênio uma peça de geração, dos que nasceram nos anos 1970. Não só pelos assuntos que mobiliza. Mas pela forma como o faz. Sem empunhar qualquer bandeira. Relativizando qualquer moral ou verdade. Movendo-se por paradoxos, dúvidas. "É uma maneira de se relacionar com as coisas com certa fragilidade. De ser passional e racional ao mesmo tempo", diz o encenador.
Em nenhum momento, os intérpretes Rodrigo Bolzan e Patricia Kamis representam personagens. Entre um número de rock e outro, eles apenas narram a história do arrebatado amor de Sacha. E são, constantemente, instados a reafirmar sua presença diante do público. O procedimento não é novo. Remete ao tom performático que contamina o teatro contemporâneo há algum tempo - pelo menos desde os anos 1970. Mas exibe um frescor raro na forma como transfere o centro da cena para o espectador. Constrói um espaço onde quem assiste e quem está no palco compartilham uma mesma experiência.
Dividido em "10 composições", o texto de Viripaev assemelha-se a uma partitura musical. Existem trechos inteiros que se repetem. Funcionam como refrões e contaminam a prosa com laivos de lirismo. "Essas repetições possuem um valor sonoro e de sentido que remetem a forma de um poema, de um haicai", considera Abreu. A partir de determinado momento, a história do romance entre os dois personagens termina. A peça, contudo, ainda segue por algum tempo. Permanece no encalço de algumas perguntas: o que é essencial para cada um? O que é oxigênio para você? "
Excelente domingo chuvoso a todos,
Marcos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.