Meu País: desfronteirizando fronteiras...
Círculo Vicioso
Meu país, Meu estado, Minha cidade,
Meu bairro, Minha rua, Minha casa,
Meu quarto, Meu espaço, Minha vida,
Meu continente, Meu mundo, Meu país...
Marcos Peter Pinheiro Eça
O longa-metragem “Meu País” de André Ristum (Brasil, 2011, 90min) aborda algumas questões fulcrais para os tempos em que vivemos atualmente. Contudo, antes de discorrer acerca delas, iniciarei o texto tratando do título do filme, e dirigindo meu olhar para o pronome possessivo “meu” e o significante “país”. Ao dizermos “Meu país” expressamos um sentido de posse, de pertencimento, de origem, de raízes, de terra... De minha perspectiva, isto é significativo para o filme porque o tema fronteiras é um dos abordados no/pelo filme. Fronteiras que são rompidas nas vidas pessoais das personagens do longa-metragem, especificamente, de Marcos (Rodrigo Santoro) e Giulia (sua esposa no filme) que vem ao Brasil e “deixam” a Itália, mesmo temporariamente. Mas outras fronteiras também são rompidas nas vidas pessoais dos três irmãos[1]: Marcos (Santoro), Tiago (Cauã Reymond) e Manuela (Débora Falabella).
A meu ver, fronteiras não existem. Na realidade, elas são construções sociais, representações sociais que poderiam ser comparadas a uma imagem fascinante da matemática, isto é, a uma fita/banda de Moebius[2]. O que quero dizer com isso é que o Brasil é atravessado pela Itália como também a Itália é atravessada pelo Brasil – em seus mais diversos aspectos, não apenas linguísticos como poderíamos pensar em um momento inicial –, ou seja, apesar de as distâncias, de um oceano “separar” esses espaços, os brasileiros – especificamente os das regiões Sul e Sudeste – são um pouco italianos e os italianos um pouco brasileiros: temos nossas subjetividades afetadas de ambos os lados. Devido a esses cruzamentos e descruzamentos, a fita/banda de Moebius é uma metáfora possível a esse filme.
Além do mais, explorando a imagem dessa fita/banda, posso dizer que no longa de Ristum nós surgem e precisam ser desatados. Nós que muitas vezes não são apenas nós... dito de outro modo: nós que representam grandes problemas, mas, ao mesmo tempo, acabam produzindo sentidos de felicidade, de doação e de cuidado em relação ao outro e por que não de si mesmo. Dar sentido a nossas medíocres e míseras vidas? Seria este um dos temas do filme “Meu País”? Talvez um pouco mais do que isto! Ou apenas isto! Não me importa. O que, efetivamente, importa é o fato de tratar-se de um filme de resgates onde um irmão, Marcos, vem da Itália para resolver pendências após a morte de seu pai (Paulo José). Todavia, depara-se com um irmão, Tiago, adicto a jogos e um tanto “bon vivant”, e uma irmã, Manuela, até então desconhecida – proveniente de um relacionamento extraconjugal de seu pai com uma mulher – portadora de uma deficiência intelectual (ela tem 24 anos, mas sua mentalidade é de uma menina de 10). Nesse jogo, nessa fita/banda de Moebius, encontram-se as personagens do filme que além de transitar por espaços geográficos claramente definidos – Brasil e Itália – transitam por espaços de vidas distintos, ou melhor, pela Mansão onde residem e por uma Clínica Psiquiátrica, pela Mansão e por Casas de Jogos, pela Mansão e pela Empresa... Entre o trânsito por esses espaços o filme tece algumas imagens interessantes como as que Manuela faz bolhinhas de sabão e, ao final do filme, brinca com as ondas do mar. Ao ver essas imagens, lembrei-me da cena do filme “Melancolia” onde soltam balões ao ar livre após o jantar de casamento de Justine (Kirsten Dunst) e Michael (Alexander Skarsgard). Dizer qual das duas cenas é mais bonita ou menos bonita não me importa. Ambas são sensíveis, comoventes e tocantes de formas distintas.
Não posso deixar de mencionar a interpretação impecável de Débora Falabella no filme. Um trabalho de entrega, de doação no sentido mais completo. Doação que ao final é retribuída por seus dois irmãos – boa interpretação de Rodrigo Santoro e de Cauã Reymond; como também bela interpretação de Paulo José, apesar de pequena – ao levarem-na a uma praia “deserta” e o filme fechar-se de forma tão poética... Débora Falabella faz o papel de uma “monga” – nos dizeres de seu irmão Tiago – e mesmo “monga”, é de uma beleza, delicadeza, sensibilidade inacreditáveis. Ainda sendo uma pessoa com necessidades educacionais especiais, ela canta e canta a música “Exagerado” de Cazuza. Ademais, encontra uma máquina fotográfica que seu pai usara minutos antes de morrer e onde há lembranças, memórias, resquícios de vida... Na realidade, apesar de Tiago debochar de Manuela quando ele estava jogando cartas no jardim de sua mansão, talvez ela até saiba jogar cartas e melhor do que ele. Ironia? Talvez um pouco mais do que isso porque seu irmão perde no jogo, na vida... Enquanto ela, a partir do momento em que o filme começa, ganha, primeiramente, um irmão, posteriormente, outro irmão e, finalmente, uma família... assim, como ao final Marcos e Thiago também acabam ganhando essa mesma família.
Fronteiras desfronteirizadas... Família resgatada, apesar de a morte do pai no início do filme... Doação, carinho, afeto, entrega... nos sentidos literais e metafóricos, porque os atores transitam por esses sentimentos e emoções e o filme aborda esses e outros temas. Enfim... “Meu País”, apesar de não ser uma obra de arte audiovisual, é um filme sensível, humano e tocante que nos faz refletir sobre os relacionamentos no mundo atual e deslocar nossos olhares para o lado, para o outro e, também, para nós mesmos.
Texto escrito por Marcos Peter Pinheiro Eça em outubro de 2011.
[1] Apesar de não ter uma relação “imediata/direta” com o filme de Ristum, não posso deixar de mencionar o clássico “Rocco e seus irmãos” (Rocco i suoi fratelli, Luchino Visconti, 1960) por ser um filme italiano e abordar a saga de cinco irmãos.
[2] Uma fita/banda de Moebius é um espaço topológico obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após efetuar meia volta numa delas. Em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fita_de_M%C3%B6bius acesso em 13/10/2011.
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