segunda-feira, 31 de outubro de 2011

ALAIN DE BOTTON

"Alain de Botton recebeu a coluna em seu escritório, num bairro afastado do centro de Londres. Ao lado do prédio onde fica seu recanto de trabalho, está a casa do escritor, construída completamente fora dos padrões londrinos de arquitetura. Envidraçada, janelas vazadas, diferentemente dos prédios baixos, escuros e pesados da capital britânica. O designer? Ele próprio. Apaixonado por arte arquitetônica, viagens e literatura, o filósofo – best-seller mundial – se define como “desbravador”.

Não à toa, aceitou a proposta de ficar no aeroporto de Heathrow registrando sensações, texturas e histórias que resultaram no livro Uma Semana no Aeroporto. E foi com o mesmo entusiasmo e igual curiosidade que o escritor resolveu desbravar o tema das religiões. Em seu próximo lançamento, Religião para Ateus. Botton – ateu convicto – se debruça sobre a prática da fé, interessado nos aspectos psicológicos e filosóficos que religiões e suas histórias oferecem: “Não acredito em Deus, energia ou forças maiores. Meu interesse está nas motivações humanas que levam indivíduos a acreditarem em Deus”, afirma.

O suíço, que mora na Inglaterra desde os 8 anos, tece ácidas críticas a Richard Dawkins (evolucionista radical) e questiona o crescente sentimento antirreligioso inglês: “É muito mais fácil ser ateu. As pessoas não querem nem pensar sobre isso”.

Além de escrever livros (já tem nove no currículo), Botton, aos 41 anos, mantém uma escola, a School of Life – com planos de abrir, em 2012, filial no Brasil. Chamada por ele de “centro de conhecimento emocional”, o filósofo defende que os relacionamentos humanos são matéria a ser estudada.

O escritor estará no País em novembro, para participar do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento. Falará, dia 21, em Porto Alegre. E na Sala São Paulo no dia seguinte.

(...)

Você já apontou, em palestras, que um dos problemas atuais das sociedades é uma base na meritocracia. Pode explicar?

Meritocracia é uma ideia muito valorizada na política. Trata-se de um conceito em que todos chegam aonde merecem. As conquistas são por mérito. Se você for inteligente, cheio de energia e uma boa pessoa, chegará ao topo, ao máximo. Mas se for preguiçoso e burro, não sairá do lugar. Essa é a ideia moderna de política. E, convenhamos, é maluca. Lógico, você deve batalhar por aquilo que deseja, mas achar que basta soltar todos em uma corrida e que o primeiro que chegar leva o prêmio é, acima de tudo, muito injusto.

Por que injusto?

Porque não mandamos em tudo. Por exemplo, a aparência física de uma pessoa é totalmente fora de seu poder. E, no entanto, muitas coisas na vida dependem da nossa aparência. O nível de inteligência, saúde, e outros aspectos também. A ideia de que, se você for bom, chegará ao topo, é muito rasa. Quando falo em meritocracia, alerto para atitudes recorrentes em grandes empresas. Onde as pessoas, em nome dessa ideia, tornam-se cruéis. O indivíduo não é responsável por tudo e também não é isento de escolhas. Existem nuances nesse processo.

(...)

Se existe algo, nos últimos anos, que podemos dizer que mudou a maneira como o ser humano se relaciona, talvez seja a internet.

Mudou de que maneira?

As máquinas modificaram nossa consciência. Principalmente no que tange ao relacionamento com a ficção. Estamos perdendo a arte da concentração. Por essas máquinas serem tão estimulantes e rápidas, ler um livro tornou-se entediante perto delas e do Facebook, por exemplo. Isso é uma preocupação.

Com o que se preocupa?

Saber ficar entediado, quieto, concentrado são qualidades que não podemos perder. Antigamente, as pessoas iam aos monastérios para ficar em silêncio, pensar. E não entendíamos. Mas faz sentido. Precisamos de períodos de quietude. Sem computadores. Me preocupa o ‘spam’ de atenção que essas máquinas causam.

(...)

O que encontrou em comum com seus sócios? Qual a ideia central da School of Life?

Olhamos o mundo essencialmente da mesma maneira. Acreditamos que deve haver uma conexão entre cultura, conhecimento e sabedoria. Para isso, construímos essa organização. É divertido e dá um trabalho imenso."

Em: O Estado de São Paulo, 31 de outubro de 2011, Caderno 2, D2.

Apesar de nunca ter lido nenhum de seus livros, gosto de sua lucidez e percebo que não estou falando sozinho nesse mundo doente e cruel. Em outro dizeres: há caras que falam minha língua...

Abraço a todos,
Marcos.

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