Em minha graduação em Letras, tive aula com o genial (prepotente, mas genial) José Luiz Fiorin. Abaixo um excelente texto escrito por ele acerca de os jornais.
Os jornais e a verdade
José Luiz Fiorin
A escolha de uma palavra implica uma interpretação, feita a partir de um dado ponto de vista
Nas cartas dos leitores, aparecem inúmeras reclamações a respeito da parcialidade dos jornais na cobertura dos acontecimentos, principalmente aqueles que suscitam posicionamentos apaixonados na sociedade: as campanhas eleitorais, a guerra entre Israel e os palestinos etc.
Muitos jornais dizem que buscam a objetividade, a imparcialidade e a neutralidade na transmissão de notícias. Afirmam que expressam seus pontos de vista apenas nos editoriais. A maioria dos manuais de jornalismo explica que as matérias jornalísticas se dividem em informativas e opinativas. Estas apresentam a opinião do jornal ou de colaboradores. Aquelas relatam informações. Tal distinção supõe que as notícias sejam narradas de maneira imparcial, neutra e objetiva. Em qualquer construção linguística, a objetividade, a neutralidade e a imparcialidade são impossíveis, pois a linguagem está sempre carregada dos pontos de vista, da ideologia, das crenças de quem produz o texto, como, aliás, reconhece o Manual da Redação da Folha de S. Paulo (2001, p. 45).
A seleção das palavras para identificar seres e denominar acontecimentos já revela um ponto de vista acerca dos “fatos”. Não temos acesso direto à realidade, ele sempre vem mediado pela linguagem, que não é neutra. Os soldados israelenses foram apanhados, sequestrados ou capturados pelos militantes do Hezbollah? Os que pertencem a esse movimento são terroristas, militantes ou soldados? A entrada do exército de Israel no Líbano é uma invasão ou uma resposta a um ataque? Os sem-teto invadiram ou ocuparam um prédio vazio? A escolha de uma palavra implica uma interpretação, feita a partir de um dado ponto de vista.
Posicionamento
Além disso, a seleção, a hierarquização e as conexões do que se relata também implicam um posicionamento. É muito diferente dizer Pedro é um bom jogador, mas é um desagregador do grupo e Pedro é um desagregador do grupo, mas é bom jogador. No primeiro caso, não se gostaria de ter Pedro no time para o qual se torce; no segundo, sim. Muitas vezes, uma manchete não expressa com exatidão o que aparece na notícia.
A objetividade é um efeito de sentido construído pela linguagem. Para isso, o que escreve se vale de diferentes procedimentos. Um deles é não projetar o eu, que relata, no interior do texto. Dessa forma, parece que os fatos se narram a si mesmos. É completamente diverso dizer Congresso atua em causa própria e Eu penso que o Congresso atua em causa própria. No primeiro caso, tem-se a impressão de que o fato é contado da maneira que é. No segundo, o efeito que se constrói é de mera opinião.
Se o que se apresenta não são fatos, mas interpretações, os jornais são inúteis, para nos informarmos?
A resposta é não, se eles tiverem um compromisso com a exatidão e o equilíbrio.
Verificação e pluralidade
Exatidão significa que o que se narra não pode ser forjado, mas deve poder ser verificado por qualquer pessoa. Mesmo que o que se conta seja uma interpretação e não um fato, é preciso que o que deu origem à interpretação possa ser atestado por outrem. Se se diz que a Prefeitura X comprou merenda acima do preço de mercado, isso será exato na medida em que qualquer pessoa, de posse das planilhas de preço, chegar à mesma conclusão. Dizer ou insinuar que se trata de superfaturamento resultante de corrupção ou de sobrepreço derivado da burocratização dos processos licitatórios é da ordem da interpretação. Os jornais precisam substituir o ideal da objetividade, da imparcialidade e da neutralidade, que não se pode alcançar, pelo da exatidão e da fidelidade, que também são muito difíceis de atingir.
Equilíbrio quer dizer, de um lado, oferecer o mesmo espaço a pontos de vista diversos; de outro, apresentar sempre o outro lado da história, ou seja, mostrar diferentes interpretações a partir de óticas distintas. Isso é necessário, pois o que um jornal, de fato, oferece a seus leitores são interpretações distintas, para que ele forme sua opinião, tome sua posição, formule seu ponto de vista.
Abraço desideológico a todos,
Marcos.
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