sábado, 31 de dezembro de 2011

CONTO: POLTRONA 35 de JÚNIOR MILÉRIO (COM ACENTOS, RS...)

Meu querido amigo Júnior escreveu o seguinte conto que compartilho abaixo com vocês. O conto é simples, de uma sensibilidade e delicadeza incríveis. Muito bom!!! 
"Por lo tanto: no se lo pierdan", como podemos dizer em discursividades hispânicas, rs...

Poltrona 35

As luzes de Natal ainda estavam lá. Era 25 de dezembro e o neon da decoração natalina, aos poucos, ia dando espaço ao neon dos letreiros de motéis de beira-de-estrada. Com licença, ele disse. E a resposta foi um semi-sorriso quase sem graça. No celular, pelo fone de ouvido a FM ia perdendo frequência, as rádios já misturavam música e chiado. Quem protagoniza na rodovia são os motéis, com os outdoors coadjuvando. Duas bolsas de viagem encaixadas debaixo das poltronas. 35 e 36. Um lia sobre comidas, hábitos franceses, cozinheiros. O outro.
O outro vestia bermuda, tinha a barba de, no máximo, dois dias. Uma tatuagem na panturrilha apareceu quando o olhar das páginas sobre culinária desviou para a perna que se levantou e cruzou sobre a outra, como num gesto felino. Quando o chiado do rádio prevaleceu nas ondas do rádio e a luz do fim-de-tarde deu lugar à noite, o livro fechou e cochilaram. Cochilaram separados pelo braço de plástico - cinza - que dividem poltronas em ônibus intermunicipais. Acordaram, o ônibus freava e parava e continuava. A estrada cheia era sinônimo do retorno de feriado mundial.
Entre um cochilo e um freio, propositalmente um braço encostou-se ao outro, do outro. Ficou ali, naquele estado de onde saíram tantas obras impressionistas. Impressionante! O calor da pele. Aliás. O calor dos pelos. De tão sutil, o calor dos pelos do braço do outro, nos pelos do braço de um. Foi isso. E alguns poucos quilômetros ficaram para trás. E adiante, ambas as pálpebras, dos dois, se abriram. Quase simultaneamente, se não fosse pela tentativa acertada de fingir simultaneidade. Os sentimentos simultâneos não têm nome.
Se os sentimentos simultâneos não têm nome, a palavra erótico ou sexual é simplista. Reduz e vulgariza. A força da sutileza de um movimento insinuante emprestou significados de palavras que poderiam se perder na possibilidade de não serem ditas, sequer ouvidas. A digital de um conheceu os pelos e o calor do outro, mas agora da perna que se alheava ao braço de plástico [cinza], mas agora ausente. Quase pode conhecer o desenho da panturrilha, se fosse em braile, também teria conhecido a alma.
À semi-luz-tão-romântica, os dois estavam a sós. Exceto pelas outras dezenas de poltronas ao redor. Um se atreveu a olhar no olho do outro, que também olhou dentro do olho de um. Olharam-se e se viram. Enxergaram-se. Vinte digitais, conhecendo calores e pelos, barriga, pernas e braços.Não, nenhum movimento mais brusco. Nenhum beijo. Nenhum pare. Nenhum flagra. Nenhum um. Eram dois.
A brincadeira de conquista silenciosa estava prestes a chegar ao fim. O destino era certo. O da viagem. Porque os caminhos dos dois estavam sendo desenhados em peles e pêlos. Mas um Criolo cantou não existe amor em sp. E, no destino da viagem, o caminho de um foi sair em silêncio. O do outro, daquele momento em diante, escolher - pra sempre - a poltrona 35.

Júnior Milério

Abraço literário a todos,
Marcos.

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