segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

...Incondicionais Amores+(A)gêneros...: Laurence Anyways+Xavier Dolan


Versão reduzida de meu texto sobre o filme "Laurence Anyways" possivelmente a ser publicada no jornal do grupo de cinema "Cinema Paradiso"


...Incondicionais Amores+(A)gêneros...

O que me importa é a pessoa.
Eu sigo a lógica do coração.
(do filme Laurence Anyways)

Xavier Dolan, diretor canadense de 23 anos, desde seu longa-metragem de estreia, Eu matei minha mãe (J´ai tué ma mère, 2009), mostra-se cada vez mais brilhante em relação à linguagem que propõe, ou melhor, não tem medo de lançar mão de algo que nos movimente, que nos saque da ruminação e da regurgitação tão frequentes em nossa sociedade atual.
Seu último filme, Laurence Anyways, é atravessado por inúmeras questões que tentarei desenvolver ao longo de meu texto. Entretanto, de minha perspectiva, há dois pontos fulcrais abordados no filme: amores dilacerantemente incondicionais e a questão dos gêneros no mundo atual, isto é, prefiro começar a falar a respeito de Agêneros: a meu ver, o masculino e o feminino começam a sofrer pequenos movimentos+deslocamentos no mundo atual. Dito de outro modo: pequenas fissuras começam a dar-se na HUMANIDADE em relação aos gêneros... O filme narra a história de Laurence Emmanuel James Alia (Melvil Poupaud) e de Fred(erique) (Suzanne Clément). Inicialmente, parece-me haver uma espécie de brincadeira com os nomes dos protagonistas do longa porque as designações Laurence e Fred me sugerem nomes “neutros” – categoria praticamente inexistente na língua portuguesa –, ou seja, Laurence tanto poderia ser um homem quanto uma mulher, como também Fred: primeira “brincadeira” de Dolan.
A abertura do filme é belíssima (uma voz em off e saltos altos andando): noto uma câmera que corre perseguindo a maneira de andar de uma pessoa que, ao dar-se seu afastamento e abrir dos pés para o corpo, notamos ser Laurence. De meu ponto de vista, a câmera de Dolan flutua, porque ele não tem medo de (h)errar… segunda grande “brincadeira” – adulta, séria e genial – que percebo em seu gesto fílmico.  Steve Gravestock afirma que Dolan tem um “hyper-florid style” (estilo hiper florido). Concordo com ele e talvez seja esse excesso, esse “barroquismo” de Dolan o que me fascine em seus filmes. Ainda segundo Gravestock, trata-se de “an epic romance” (um romance épico) e, mais uma vez, estou de acordo com ele porque o filme é, de fato, em todos os sentidos, um romance épico e o filme é um épico, em outros dizeres, um tanto longo – mas para narrar uma história com toda a complexidade proposta por Dolan sem ser raso e/ou superficial quase três horas de filme eram necessárias –, mas não me cansei nada nas duas vezes a que o assisti; e se eu puder vê-lo pela terceira, quarta, quinta vez, o farei sem hesitar.
Após a cena inicial, o filme volta 10 anos e somos lançados para setembro de 1989, ou melhor, o filme termina em 1999: quase virada de milênio. Época de dúvidas, questionamentos, reflexões, possíveis hecatumbes, possibilidades de rompimento de paradigmas... Passa-se um mês: somos jogados para outubro de 89. E, aos poucos, começamos a adentrar na vida de Laurence e de Fred: ele é um professor de jovens (talvez de Ensino Médio e/ou Universitário, não tenho essa questão muito clara...) que acabara de receber um prêmio, e todos na Instituição Escolar, onde ele trabalha, comentam e o parabenizam por esse fato. Essa instituição é representada de maneira conservadora e repressora – como geralmente as escolas o são (generalização de minha parte: tenho consciência disto, apesar das raras exceções existentes).
Na sequência, há algumas cenas em que Laurence e Fred estão dentro de um carro, do carro deles: discutindo, brigando, se xingando, vivendo, se amando porque relacionamentos são assim, também. Em relacionamentos humanos, há rusgas que precisam ser aparadas e Dolan consegue expor suas personagens, revelar seus conflitos, suas contradições, de forma sensível e poética... Isso para mim é sagacidade, apesar de ele ser um jovem diretor de cinema.
Tudo no filme está meio nebuloso, contraditório, confuso, até o momento em que Laurence – apesar de que a opacidade seguirá ao longo do filme – diz a Fred que gostaria de ser mulher, isto é, a questão é mais complexa do que posso tentar materializar por meio de meus dizeres, uma vez que Laurence é um homem que se sente mulher dado que – da perspectiva dele – ele nasceu em um corpo errado. Mas essa personagem não é um homossexual, não é um transexual, não é um crossdresser (aquele que ultrapassa o modo de se vestir), ou melhor, não gosta de homens… Apenas é um homem que se sente mulher e quer ser mulher, porém, continua apaixonado por Fred, sua namorada, sua companheira, sua alma gêmea: um significante que designe pessoas que tenham esse “desejo” é desconhecido por mim. Pergunto-me: onde encaixamos pessoas que se sentem assim? Essa categoria outra é a levantada por Dolan em seu terceiro filme: mais uma “brincadeira” brilhante...
Em um primeiro momento, apesar de tudo, Fred aceita a nova experiência, ou seja, viver com um homem que se sente mulher e quer ser mulher. Mas repito: ele não se sente atraído por homens, não se vê como um homossexual. Porém, isto, pouco a pouco, torna-se insustentável e insuportável. O tempo passa. Somos alçados a novembro de 1989. Entramos em 1990. Aos poucos, Laurence começa a trajar-se como uma mulher porque usa saia, salto alto, brincos… mas usa os cabelos curtos e sua forma de andar, pegar os objetos, SER, ainda é um tanto masculinizada, ou seja, apesar de usar roupas femininas ainda vemos o Laurence homem. Gradativamente, o Laurence mulher vai emergindo e Fred até lhe compra uma peruca a fim de que ele, efetivamente, se feminilize.
Todavia, devido ao fato de ser um homem que se sente e se veste como mulher, Laurence é agredido em um bar por um desconhecido; só que Laurence o agride também e encontra um grupo de “bichas” velhas que acabam ajudando-o: fraternidade em relação a seus semelhantes? Talvez... Estereotipia de Dolan, porém bem interessante, dado que “bichas” velhas também fazem parte do mundo e, mais ainda, do mundo homossexual por onde o filme transita.
Ocorre a separação de Laurence e de Fred porque ela não consegue lidar com essa questão do que começo a definir como Agêneros. Somos lançados para 1995 em Trois-Rivières: cidade de Québec que significa “desambiguação”, ou melhor, tentar deixar de ser ambíguo; o que é absolutamente sugestivo no filme, em outros dizeres, será possível desambiguizar algo ou alguém? E, Laurence já passou por uma metamorfose e vemos uma mulher, uma escritora de livros, após ter sido demitido/a da escola/universidade onde ele/a trabalhava. Ademais, descobrimos que Fred mora nessa cidade e está casada com um homem. Passados 6 anos desde o início do filme, parece haver uma espécie de simbiose em Laurence: ele é um homemulher e/ou uma mulherhomem... não sei muito bem... Apenas percebo que paradigmas começam a sofrer pequenas fissuras e é por esse motivo que, talvez, eu prefira falar de Aparadigmas.
1996. Ilha negra (é um livro de história em quadrinhos da série As Aventuras de Tintin, produzida pelo belga Hergé, e lançado em 1938: vejamos os referenciais por onde transita Dolan, ou melhor, sua colcha de tecidos é muito bem tecida, bordada e costurada...). Roupas caindo do céu: cena comovente… Laurence e Fred se amam literal e metaforicamente nesse local. Nesse espaço onírico, há um casal que tem uma história “semelhante” a de Laurence, mas ao revés. É uma mulher que se sentia homem e fez uma cirurgia para virar, de fato, um homem. E sua companheira – uma mulher desde seu nascimento, definirei dessa maneira – diz o seguinte a Laurence e a Fred: “O que me importa é a pessoa. Eu sigo a lógica do coração”. Belíssimo enunciado que poderia atravessar os tempos atuais.
1999. Montreal. Entrevista de Laurence. Voz em off surgida no início do longa-metragem. A entrevistadora mal consegue encará-lo… Até o momento em que Laurence a provoca afirmando que ela não consegue fitá-lo e olhar dentro de seus olhos. Mas, pouco a pouco, a entrevista se realiza. Transitamos pelos espaços da “normalidade”, da “marginalidade” e julgamentos são feitos. Questiono-me: que sociedade é essa onde vivemos? Quais são os valores do mundo atual? Por que há tantos julgamentos? Por que há tanta incompreensão e intolerância nos tempos atuais? Todas essas perguntas são apenas provocações de minha parte porque não tenho e não quero ter todas essas respostas...  
O outono chega. Há a cena final em que as folhas começam a cair e somos jogados para o momento em que Laurence e Fred se conheceram: parece que o filme fecha um ciclo, é como se fosse um círculo, ou, quiçá, uma espiral, um labirinto, uma fita de Moebius... Dito de outro modo: podemos começar do fim ou podemos iniciar do começo? Olhares são trocados. Nomes são perguntados. Laurence Anyways é respondido...
Meus olhares finais acerca de Laurence Anyways: esse filme é uma belíssima reflexão sobre dilacerantes amores em nossas vidas, como também sobre o que começo a definir como Agêneros. Simplesmente genial! Pena que o filme ficou apenas duas semanas em cartaz: eu havia conseguido vê-lo na Mostra Internacional de Cinema desse ano e em uma sessão, antes que saísse de cartaz, na Reserva Cultural. Ainda bem que vivemos em tempos de DVD... Os filmes de Dolan merecem ser conhecidos pelo público brasileiro.
Termino meu texto com o seguinte poema escrito por mim:
   
,,,há amores que nos atravessam,
que nos rasgam,
que nos dilaceram,
que são como tatoos em nossas peles:
LAURENCE para sempre...

M.Ê.~.ç.Á.

Essa é uma versão reduzida de meu texto. Caso queiram ler a versão integral, entrem no seguinte link referente a meu blog: http://caracolleiturasdesleiturasreleituras.blogspot.com.br/2012/11/laurence-anywaysxavier-dolan-texto.html

Abraço afetivo a todos,
Marcos Peter Pinheiro Eça
(dezembro de 2012)














Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.