Miguel Arcanjo me pediu um texto sobre teatro, algo bem pessoal. lembrei desse e nem mexi, mandei como estava, como foi escrito em 2008. daí senti saudade e resolvi postar aqui ;)
19/09/2008
hoje o Uol comemora o dia do teatro e me pediram um texto. aí está!
sem rede de proteçãosempre nas entrevistas tem essa pergunta: qual a diferença entre teatro, cinema e televisão?
a resposta pode ter mil explicações, são veículos diferentes, o teatro é onde o ator tem
mais domínio, a troca com o público é incrível... eu concordo com tudo isso e discorreria um
tempão falando dessas diferenças, dos abismos que separam as linguagens. mas nunca me
fizeram essa pergunta. porque, primeiro, não sou famosa, segundo, não faço tanto cinema e fiz pouca
televisão. se me perguntassem, eu sei o que diria, eu diria assim: o teatro não tem rede de proteção.
é preciso amar o risco pra escolher ser um ator de teatro, um diretor de teatro, um figurinista, um
cenógrafo, um contra-regra, um bilheteiro. é preciso abandonar coisas, estar naquele lugar naquela
hora que o jornal indica e não importa se 1.000 pessoas vão sair de suas casas pra ficar numa sala
escura fechada esperando maravilhas de você ou se serão 5 pessoas. não importa. importa que você
vai sair de sua casa nesse dia, durante meses, nessa hora, com vontade ou sem, gripado, triste,
preocupado, aflito, desiludido, você vai sair no meio de uma tempestade ou na noite mais linda da
primavera, vai desligar a tv, apagar as luzes, pegar um ônibus, vai dizer oi pra seus companheiros, vai sentar
na bancada, transformar seu rosto, vestir uma roupa que nunca estará no seu guarda-roupa, mas que fará
parte da sua vida pra sempre, e vai fazer de um tudo pra maravilhar 1.000 pessoas ou 5 pessoas.
e você só tem aquela chance, nunca mais. o outro dia vai ser outro, serão outras as pessoas, será outra
sua energia, pode quebrar o zíper do vestido, pode faltar luz, pode inundar a cidade, pode dar tudo mais certo,
pode dar tudo mais errado, nunca se saberá, o momento é só agora, o teatro é só agora.
meus amigos próximos não gostam muito de ir em estréias minhas. eu sei como é, fica aquela vontade de que tudo
dê certo, de que as pessoas gostem, de que o amigo mesmo goste e saiba o que falar.
mas tenho um amigo que não vai nunca a meus espetáculos! "por quê?" eu quis saber. "porque eu sinto medo por
você", ele disse, "parece que vou te ver com a cabeça na boca do leão, vou ficar tenso demais." entendi, claro, e não
cobro sua presença apesar de ser ele um amigo muito especial. ele vê meus filmes, que já estão prontos há tempo,
vê coisas que saem na mídia a meu respeito, provavelmente leia esse texto mas na hora da peça, ele sabe que se
eu escorregar do trapézio, não terei rede. ele sabe que alguém pode atender o celular, que um bêbado pode invadir
o palco, que o salto do meu sapato pode quebrar (como já quebrou!) que a cortina do cenário pode cair (como já caiu!)...
ele sabe e eu sei que é um completo absurdo o que eu faço, que é estranho uma pessoa não ter fim de semana, Páscoa,
Carnaval, trabalhar doente, ter medo de chorar na hora que não pode, ter medo de não chorar na hora que
precisa, ter medo de branco, de soluço, de gaguejar. mas ele também sabe e eu também sei que não seria feliz sem
tantos sonhos e que eles, os sonhos não precisam de rede de proteção.
a resposta pode ter mil explicações, são veículos diferentes, o teatro é onde o ator tem
mais domínio, a troca com o público é incrível... eu concordo com tudo isso e discorreria um
tempão falando dessas diferenças, dos abismos que separam as linguagens. mas nunca me
fizeram essa pergunta. porque, primeiro, não sou famosa, segundo, não faço tanto cinema e fiz pouca
televisão. se me perguntassem, eu sei o que diria, eu diria assim: o teatro não tem rede de proteção.
é preciso amar o risco pra escolher ser um ator de teatro, um diretor de teatro, um figurinista, um
cenógrafo, um contra-regra, um bilheteiro. é preciso abandonar coisas, estar naquele lugar naquela
hora que o jornal indica e não importa se 1.000 pessoas vão sair de suas casas pra ficar numa sala
escura fechada esperando maravilhas de você ou se serão 5 pessoas. não importa. importa que você
vai sair de sua casa nesse dia, durante meses, nessa hora, com vontade ou sem, gripado, triste,
preocupado, aflito, desiludido, você vai sair no meio de uma tempestade ou na noite mais linda da
primavera, vai desligar a tv, apagar as luzes, pegar um ônibus, vai dizer oi pra seus companheiros, vai sentar
na bancada, transformar seu rosto, vestir uma roupa que nunca estará no seu guarda-roupa, mas que fará
parte da sua vida pra sempre, e vai fazer de um tudo pra maravilhar 1.000 pessoas ou 5 pessoas.
e você só tem aquela chance, nunca mais. o outro dia vai ser outro, serão outras as pessoas, será outra
sua energia, pode quebrar o zíper do vestido, pode faltar luz, pode inundar a cidade, pode dar tudo mais certo,
pode dar tudo mais errado, nunca se saberá, o momento é só agora, o teatro é só agora.
meus amigos próximos não gostam muito de ir em estréias minhas. eu sei como é, fica aquela vontade de que tudo
dê certo, de que as pessoas gostem, de que o amigo mesmo goste e saiba o que falar.
mas tenho um amigo que não vai nunca a meus espetáculos! "por quê?" eu quis saber. "porque eu sinto medo por
você", ele disse, "parece que vou te ver com a cabeça na boca do leão, vou ficar tenso demais." entendi, claro, e não
cobro sua presença apesar de ser ele um amigo muito especial. ele vê meus filmes, que já estão prontos há tempo,
vê coisas que saem na mídia a meu respeito, provavelmente leia esse texto mas na hora da peça, ele sabe que se
eu escorregar do trapézio, não terei rede. ele sabe que alguém pode atender o celular, que um bêbado pode invadir
o palco, que o salto do meu sapato pode quebrar (como já quebrou!) que a cortina do cenário pode cair (como já caiu!)...
ele sabe e eu sei que é um completo absurdo o que eu faço, que é estranho uma pessoa não ter fim de semana, Páscoa,
Carnaval, trabalhar doente, ter medo de chorar na hora que não pode, ter medo de não chorar na hora que
precisa, ter medo de branco, de soluço, de gaguejar. mas ele também sabe e eu também sei que não seria feliz sem
tantos sonhos e que eles, os sonhos não precisam de rede de proteção.
cena de Asas do Desejo, Win Wenders
Texto escrito por Cléo De Páris em seu blog.
Em: http://pueril2.zip.net/ acesso em 31/12/2012.
Abraço teatral a todos,
Marcos Êçá.
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