A democracia e as desigualdades sob o ponto de vista americano
Um mapa das assimetrias que são socialmente aceitáveis nos Estados Unidos
Quarta, 15 de Novembro de 2011, 03h05
Turistas estrangeiros têm me questionado nas ruas. "David, diante de tantas desigualdade nos EUA, quais são as socialmente aceitáveis?" É uma ótima pergunta. Apresento aqui um mapa da desigualdade americana para evitar constrangimentos.
A desigualdade acadêmica é socialmente aceitável. Não há problema quando demonstramos fazer parte do 1% que frequenta as melhores universidades ao usar agasalhos de Princeton, Harvard ou Stanford.
Já a desigualdade de origens ancestrais não é socialmente aceitável. Não se pode andar por aí se gabando de ser de uma família que desembarcou do Mayflower nem dizer que descende de gerações de Throgmorton-Winthrops, que transmitiram um legado de educação elitista e boas maneiras.
A desigualdade de preparo físico é aceitável. Não há problema em vestir uma lycra justa para mostrar ao mundo que a prática de pilates lhe deu coxas de aço. Exibições desse tipo são bem-vindas enquanto prova de sua louvável disciplina e mérito.
A desigualdade de preparo moral é inaceitável. É contra as regras vangloriar-se de superioridade na castidade, na integridade, na honra ou na honestidade. Em vez disso, deve-se respeitar o fato de que somos todos moralmente iguais, por mais que variem nossos comportamentos e gostos éticos.
A desigualdade esportiva é aceitável. É normal usar uma camisa dos Yankees, um agasalho da LSU ou os variados emblemas das equipes esportivas profissionais. O fato de o seu time ter o hábito de arrasar os adversários é representativo da sua força enquanto indivíduo.
A desigualdade entre as crenças é inaceitável. Não seria correto usar uma camiseta católica, batista ou judaica para sugerir que seus correligionários estariam mais próximos de Deus. É errado desmerecer religiões com base na ideia de que o credo dos outros é equivocado.
A desigualdade de renda é aceitável. No caso de um grande craque do beisebol, é socialmente aceitável que os seus serviços sejam vendidos por US$ 25 milhões por ano (afinal, é preciso fazer aquilo que é melhor para a sua família). No caso de um executivo destacado, não é mais considerado de bom tom receber um pacote de compensação de US$ 18 milhões, mas todos aqueles que ainda conseguem algo do tipo aceitam a oferta.
A desigualdade de gastos é menos aceitável. Para aqueles que ganham US$ 1 bilhão, é recomendado ir para o trabalho de calça jeans e camiseta preta. É recomendado morar em Omaha e comer em restaurantes simples.
Para os que ganham US$ 200 mil por ano, é aceitável gastar dinheiro em qualquer cômodo antes usados por empregados, como a cozinha, mas é vulgar gastá-lo com brinquedos adultos que poderiam proporcionar prazeres superficiais, como uma Maserati.
A desigualdade tecnológica é aceitável. Se você é do tipo de pessoa que compreende os últimos lançamentos de hardware e os mais novos avanços do software, que conhece os melhores aplicativos, é aceitável demonstrar com orgulho o seu conhecimento superior e exibir-se diante dos ultrapassados que não entendem nada.
A desigualdade cultural é inaceitável. Aqueles que vão à ópera ou apreciam peças de Ibsen não podem acreditar que são donos de uma sensibilidade mais refinada do que as pessoas que gostam de Lady Gaga, Ke$ha e grafite.
A desigualdade de status é aceitável para os professores universitários. As universidades existem dentro de uma estrutura de status cuidadosamente estratificada e certas universidades, como Brown, contam com uma verdadeira elite discente. Os departamentos universitários são comparados em rankings e concorrem pela superioridade.
A desigualdade de status é inaceitável para os professores do ensino médio. Os professores dessa categoria resistem às comparações em rankings. Seria desprezível que o departamento de uma escola concorresse com os departamentos de outras escolas próximas.
A desigualdade entre as cervejas está em queda.
Antes, havia uma grande diferença de status entre as cervejas menores e a boa e velha Budweiser. No jargão acadêmico, as cervejas tinham um alto coeficiente de Gini. Mas, conforme as microcervejarias se adaptaram ao grande mercado, essas diferenças diminuíram.
A desigualdade entre os cupcakes está em alta. Os fregueses ficam horas na fila de lojas especializadas, por mais que haja outros bons cupcakes à venda na loja da Safeway mais próxima, sem fila nem nada.
A desigualdade em viagens é aceitável. É normal que haja filas específicas de check-in para os passageiros que acumularam bônus em programas de milhagem. A desigualdade no supermercado é inaceitável. Não seria permitido que houvesse uma fila especial para um caixa dedicado aos consumidores obesos que gastam muito em porcarias e guloseimas.
A desigualdade esportiva é inaceitável se o seu filho ou filha for um atleta mediano na equipe juvenil da qual participa.
Mas, se estivermos falando de um astro, os grandiosos feitos dele ou dela serão a justificativa de toda a sua existência.
A desigualdade entre as vocações é aceitável desde que não seja comentada. Os cirurgiões são mais prestigiados do que os motoristas de estacionamento, mas isto não é oficialmente reconhecido.
Por outro lado, a desigualdade étnica - acreditar que um grupo é melhor do que o outro - é inaceitável (esse é um dos maiores feitos da nossa cultura).
Caro visitante, somos um povo democrático e igualitário, que passa a vida tentando desesperadamente superar um ao outro. Desejamos a todos uma estadia agradável.
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,a-democracia-e-as-desigualdades-sob-o-ponto-de-vista-americano,798718.htm acesso em 16/11/2011.
Abraço a todos,
Marcos.
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