quinta-feira, 29 de novembro de 2012

LAURENCE ANYWAYS+XAVIER DOLAN: TEXTO PARIDO...


...ACASO+ A l M A l A v A d A+(A)gêneros+incondicionais amores...


 
Há amores que nos atravessam,
que nos rasgam,
que nos dilaceram,
que são como tatoos em nossas peles… M.Ê.ç.Á.

PRÓLOGO

Inicio meu texto resgatando um momento histórico (simbolicamente) de minha vida:

Ontem, domingo, 28/10, havia comprado um ingresso para assistir ao novo longa-metragem de Xavier Dolan - Laurence Anyways (2012): brilhante e tão bom quanto Eu matei minha mãe (J´ai tué ma mère, 2009) e Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires, 2010) - às 22:00 na sala 01  da Reserva Cultural. Havia saído da reunião do grupo de cinema Cinema Paradiso por volta das 19:20, onde havia discutido o incrivelmente catastrófico Moonrise Kingdom (2012)... Cedo cheguei à Reserva, às 20:00, aproximadamente... Paulista ainda tranquila... Aos poucos, não a escadaria de Odessa - mas simbolicamente, poderia sê-lo -, a escadaria da Gazeta e a Paulista vão sendo tomadas pelo povo... Cruzo com Carol Almeida - comento que me recordo do dia em que celebramos as Diretas Já, criança eu naquela época; homem humanista idealista quixotesco nos/dos dias atuais - que desencadeia uma cadeia, uma avalanche e outros cruzamentos se produzem... Nós celebramos a vitória com Hadadd e ele a celebra conosco: movimento moebélico... Bela, linda, emocionante fala... Discurso lúcido que, aos poucos, me faz deslocar-me+movimentar-me de tempos um tanto treviáticos para tempos um pouco menos treviáticos... não sou dado a dicotomias, ou melhor, prefiro falar de movimentos pendulares e ora tendermos mais a uma borda, ora a outra...
Entro na sala 01 do cinema da Reserva 15 minutos atrasados... não pude ouvir a fala da atriz  Suzanne Clément, mas impossível ser onipotente, onipresente, onisciente... Não quero e não sê-lo-EI... sem neuras... celebrava EU um momento de movimentos+deslocamentos em/de Sampa... (o texto continuará em meu blog...). E, agora, começa a continuar...

Ao final de meu texto, desenvolverei minúsculas relações entre o momento histórico vivido por mim e o filme Laurence Anyways de Xavier Dolan.

“O QUE ME IMPORTA É A PESSOA.
EU SIGO A LÓGICA DO CORAÇÃO.”
LAURENCE ANYWAYS… 2012… xAVIER dOLAN…

Xavier Dolan desde seu longa-metragem de estreia, Eu matei minha mãe (J´ai tué ma mère, 2009), mostra-se cada vez mais brilhante em relação à linguagem que propõe… ou melhor: não tem medo de (H)errar, de se arriscar (A ARTE DEVE TER O DIREITO A SE ARRISCAR A SER RUIM, 29ª BIENAL DE SÃO PAULO: 2012... mas, sua arte não é NADA ruim... é genial, pelo menos para mim…), de propor algo que nos movimente, que nos saque da ruminação e da regurgitação tão frequentes em nossa sociedade atual…
Laurence Anyways é um filme atravessado por inúmeras questões que tentarei desenvolver ao longo de meu texto. Entretanto, de minha perspectiva, há dois pontos fulcrais abordados no filme: amores dilacerantemente incondicionais e a questão dos gêneros no/do mundo atual, ou melhor, prefiro começar a falar em/ACERCA de Agêneros: para mim, o masculino, o feminino começam a sofrer movimentos+deslocamentos... nem melhores, nem piores, apenas pequenos, apenas pequenas fissuras começam a ocorrer na HUMANIDADE... não as julgarei, nem tenho o direito a fazê-lo dado que não sou um dos DEUSES do mundo atual e nem tenho a intenção de sê-lo-EI...
O filme narra a história de Laurence Emmanuel James Alia (Melvil Poupaud) e de Fred(erique)  (Suzanne Clément). Inicialmente, parece-me haver uma espécie de brincadeira com os nomes dos protagonistas do filme porque tanto o nome Laurence quanto Fred me sugerem nomes “neutros” – categoria praticamente inexistente na/da língua portuguesa –, ou melhor, Laurence tanto poderia ser um homem quanto uma mulher, como Fred também… Primeira brincadeira de Dolan... Remeto-me, nesse momento, ao brilhante Machado de Assis que pensava exatamente na designação a ser dada a cada uma de suas personagens de seus contos e/ou romances...  
A abertura do filme é belíssima: noto uma câmera que corre perseguindo a maneira de andar de uma pessoa que, ao haver o afastamento dessa câmera e abrir dos pés para o corpo, notamos ser Laurence. A meu ver, a câmera de Dolan flutua, ou seja, ele não tem medo de se jogar, de se lançar, de (H)errar… segunda grande brincadeira (adulta e séria) que percebo em seu gesto fílmico.  Steve Gravestock afirma que Dolan tem um “hyper-florid style” (estilo hiper florido/super florido/uber florido) e concordo com ele... talvez seja esse excesso, esse “barroquismo” de Dolan o que me fascine em seus filmes... O que para mim, não é um problema, mas “O” é para outros... Quiçá eu pense, reflita, discuta a questão de rompimentos de as dicotomias por ser eu tão dicotômico: sou 8 ou 80; todavia: começo a transitar pelas bordas dos 40... rs... (somente daqui a 2 anos, rs....). Ainda segundo Gravestock, trata-se de “an epic romance” (um romance épico) e novamente concordo com ele porque o filme é, efetivamente, em todos os sentidos, um romance épico e o filme é um épico, ou melhor, um tanto longo – mas para narrar uma história com toda a complexidade proposta por Dolan sem ser raso e/ou superficial quase três horas de filme eram necessárias –, mas não me cansei nada nas duas vezes a que o assisti.
Após a cena inicial, o filme volta 10 anos e somos lançados para setembro de 1989, ou seja, o filme termina em 1999: quase virada de milênio. Passa-se um mês: somos jogados para outubro de 89. E, aos poucos vamos sabendo da vida de Laurence e de Fred: ele é um professor de jovens (talvez de Ensino Médio e/ou Universitário, não tenho essa questão muito clara...) que acabara de receber um prêmio e todos da Instituição Escolar onde ministra aulas comentam esse fato e o parabenizam. Essa instituição é representada de maneira conservadora e repressora – como geralmente são as escolas... (generalização de minha parte: tenho consciência disto, apesar das raras exceções existentes). O que quero dizer com isto é o fato de dificilmente encontramos professores que entendam os que têm alma de artistas, os que desejam romper as regras e, frequentemente, nos dizem: você não sabe escrever, isso está errado... Porém: questiono-me: se Guimarães Rosa brincou com a língua, porque eu também não posso brincar? (com isso não quero dizer que eu seja um Guimarães Rosa ou que tenha sua genialidade, apenas quero dizer que algumas regras podem ser rompidas sem problema algum, desde que haja uma intencionalidade por parte de quem o faz... liberdade ilusória, dado que esta é uma construção social...). 
Além do mais: adoro a trilha sonora que Dolan coloca em seus filmes. Identifico-me profundamente com as músicas de seus longas, porque ele não é hermético, ou melhor, transita/circula/perambula do pop ao erudito+do erudito ao pop: a meu ver, isso é brilhantismo e genialidade… não vejo como um problema... Sua colcha de retalhos é muito bem costurada, bordada, entrelaçada... Outro elemento genial é o fato de a fotografia do filme ser impecável. Há cenas que são pinturas/quadros: como uma em que há uma dança de lençóis em uma rua vazia, quiçá, revelando o quão apaixonados são Laurence e Fred um pelo outro e apontando para a complexidade e caoticidade do relacionamento de ambos...
Há várias cenas em que estão dentro do carro discutindo, brigando, se xingando, vivendo, se amando, porque relacionamentos são assim também… Em relacionamentos humanos, há rusgas que precisam ser aparadas e Dolan consegue expor suas personagens, revelar seus conflitos, suas contradições, de forma humana, sensível e poética... Isso, a meu ver, é sagacidade, apesar de ele ser um jovem diretor jovem de cinema de apenas 23 anos de idade.
Há um momento em que Laurence coloca clipes em seus dedos sugerindo que gostaria de ter unhas compridas. Associo esse simples gesto à questão de as mulheres terem as unhas compridas e pintadas, isto é, Dolan começa a dar-nos as pistas do que deseja abordar e desenvolver em seu longa-metragem. Em outros dizeres: um homem que se sente mulher, porém, tudo isso é muito complexo porque ele não é um travesti, não é um transexual, não é um crossdresser (aquele que ultrapassa o modo de se vestir)... Tempos complexos, tempos caóticos são os nos quais vivemos atualmente...
A família de Laurence: seus pais são distantes, frios… a mãe um pouco menos, mas o pai vive enfrente à TV assistindo a programas insignificantes…
Até o momento em que Laurence diz a Fred que gostaria de ser mulher, ou melhor, a questão é mais complexa do que posso tentar materializar por meio de meus dizeres porque Laurence é um homem que se sente mulher uma vez que, para ele, ele nasceu em um corpo errado, mas essa personagem não é um homossexual, ou seja, não gosta de homens… Apenas é um homem que se sente mulher e quer ser mulher, porém continua apaixonado por Fred, sua namorada, sua companheira, sua alma gêmea. Remeto-me ao incrível A dupla vida de Veronique (La double vie de Véronique, 1990,  Krzysztof Kieślowski). Contudo, como lidar com tanta complexidade? Em um primeiro momento, Fred até aceita esse “desejo” de Laurence, porém, isso, pouco a pouco, torna-se insustentável e insuportável… Mas, Fred o ama porque enuncia em um momento do filme:

“Eu preciso acordar ao lado dele.
Eu preciso dos antebraços dele.”

Esse enunciado remete-me a questão da masculinidade, da proteção, do provedor, do macho, do homem Laurence…
Por outro lado: a mãe de Laurence afirma:

“A porta está fechada”.

Hermetismo familiar, conservadorismo familiar… Mas ao mesmo tempo ele pergunta a sua mãe se ela continuará o amando e ela lhe responde da seguinte maneira:

“Você vai virar mulher ou um idiota?”

Fissuras nos hermetismos ditos: não somos isto ou aquilo; seres humanos são complexos, caóticos, incoerentes, um turbilhão de emoções ao mesmo tempo, e tudo isto é o que encontramos nos longas de Dolan...
O tempo passa. Somos alçados a novembro de 1989.             
Há jantares entediantes frequentados por Fred… referencia direta a Luis Buñuel e a seus filmes.
Entramos em 1990. Aos poucos, Laurence começa a trajar-se como uma mulher, isto é, usa saia, salto alto, brincos… mas usa os cabelos curtos e sua forma de andar, pegar os objetos, SER ainda é um tanto masculinizada… ou seja, apesar de usar roupas femininas ainda vemos o Laurence homem. Na escola/universidade, apesar de os alunos serem um tanto “descolados” ao atravessar/passar/andar pelos corredores todos o olham de forma a julgá-lo, de forma a vê-lo como um freak, como uma aberração. Tenho consciência de que não é “aconselhável” analisar um filme relacionando-o a vida de seu diretor: contudo, noto a maneira como possivelmente olhavam/olham, apontavam/apontam para Dolan ao longo de sua jovem vida jovem... ou seja, autobiografia total, dilaceral, rasgante, fundadora...
Aos poucos, o Laurence mulher vai emergindo e Fred até lhe compra uma peruca a fim de que ele, efetivamente, se feminilize. Porém, ele não gosta de usá-la porque diz que esquenta muito… rs…
Apesar de tudo, Fred aceita a experiência nova: ou seja, viver com um homem que se sente mulher e quer ser mulher. Repito que ele não se sente atraído por homens, não se vê como um homossexual… um transexual... um crossdresser… As questões abordadas em Laurence Anyways, de minha perspectiva, ainda não forem designadas, e é por essa razão que prefiro falar em Agêneros.
Há uma cena incrível em um restaurante onde a garçonete/gerente julga o casal o tempo inteiro, debochando, criticando por meio de um humor negrinho… até o momento em que Fred irrompe de ira e lhe diz verdades verdadeiras, batendo uma mão na mesa, quebrando pratos… Enfim, cena que me remete a uma de Magnólia (Magnolia, 1999, Paul Thomas Anderson) em que a personagem de Julianne Moore vai comprar uma série de remédios antidepressivos e é absurdamente julgada pelo farmacêutico de plantão que estava na farmácia. Cena dilacerante e fulcral em+de minha vida...
Laurence é agredido… Laurence agride e encontra um grupo de bichas velhas. Estereotipia de Dolan, porém interessante, dado que bichas velhas também fazem parte do mundo e, mais ainda,  do mundo homossexual por onde o filme transita+circula+perambula...
Ocorre a separação de Laurence e de Fred. Fred não suporta, não consegue lidar com essa questão do que começo a definir como Agêneros...   
Somos lançados a Trois-Rivières (cidade de Québec que significa “desambiguação”, ou melhor, tentar de ser ambíguo...) em 1995. Laurence passou por uma metamorfose e vemos uma mulher, uma escritora de livros… E descobrimos que Fred agora mora nessa cidade e está casada com um homem (que se sugere ser rico...). Passados 6 anos desde o início do filme, parece haver uma espécie de simbiose em Laurence: ele é um homemulher ou+e uma mulherhomem... não sei muito bem... percebo que paradigmas começam a ser rompidos+descritalizados... Talvez prefira falar de Aparadigmas... ainda não sei exatamente tudo o que pretendo+desejo dizer... Não chegarei a grandes conclusões...  
1996. Ilha negra. Roupas caindo do céu: belíssimo… Chuva de sapos do filme Magnólia: rompe a monotonia que vinha sendo fiada no filme. Em Dolan, a chuva, para mim, é um símbolo de poeticidade de seu longa-metragem...
Os dois se amam. Há um casal que tem uma história semelhante a de Laurence, mas ao revés. É uma mulher que se sentia homem e fez uma cirurgia para virar, de fato, um homem. E sua companheira diz o seguinte a Laurence e a Fred:

“O que me importa é a pessoa.
Eu sigo a lógica do coração”.

Belíssimo enunciado... Enunciado que poderia+deveria atravessar+cruzar+dilacerar os tempos atuais...
1999. Montreal. Entrevista de Laurence. A entrevistadora mal consegue encará-lo… Até que ele provoca a entrevistadora afirmando que ela não consegue fixar seu olhar no dele e olhar dentro de seus olhos; pouco a pouco, a entrevista se realiza… Transitamos pelos espaços da “normalidade”+“marginalidade”…: julgamentos são feitos... Questiono-me: que sociedade é essa onde vivemos? Quais são os valores do mundo atual? Por que há tantos julgamentos? Por que há tanta incompreensão e intolerância? Todas essas perguntas são apenas provocações porque não tenho e não quero ter as respostas delas.   
O outono chega. Há a cena final em que as folhas começam a cair e somos jogados para o momento em que Laurence e Fred se conheceram: parece que o filme fecha um ciclo, é como se fosse um círculo... podemos começar do fim ou podemos iniciar do começo? Olhares são trocados. Nomes são perguntados. Laurence Anyways é respondido...
Para mim: belíssima reflexão sobre dilacerantes amores em nossas vidas, como também sobre o que começo a definir como Agêneros. Simplesmente genial! Pena que o filme ficou apenas duas semanas em cartaz: eu havia conseguido vê-lo na Mostra Internacional de Cinema desse ano e em uma sessão antes que saísse de cartaz na Reserva Cultural. Ademais, esse filme aborda movimentos, deslocamentos, fissuras em nossa sociedade como o que esperamos que o novo prefeito de Sampa realize nessa cidade que está pra lá de caótica. Adoro Sampa, porém, não estou conseguindo viver aqui durante os meses de novembro e dezembro porque todos estão cada vez mais FREAK...

Termino meu texto em tom panfletário:

Viva Haddad!!!
Viva Dolan!!!
Viva a ARTE!!!
M.Ê.ç.Á. / novembro de 2012.





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