sexta-feira, 9 de novembro de 2012

COMO SE FORMA UM LEITOR?+BEATRIZ SARLO


Tive de traduzir esse texto ao português para uma apresentação realizada em meu trabalho... Apesar dos problemas que possam encontrar, vale à pena lê-lo...

 

OPINIÃO
Como se forma um leitor?, por Beatriz Sarlo

Uma pergunta de difícil resposta, que vale também, por exemplo, para espectadores de jogos esportivos ou telespectadores. E um cidadão, como se forma?

POR BEATRIZ SARLO*. 
bsarlo@viva.clarin.com.ar

Telefonam de um órgão oficial dedicado às bibliotecas populares. Vão publicar uma revista para os bibliotecários e estão procurando por artigos sobre um tema misterioso: como se forma um leitor? As respostas são conhecidas: o papel da escola, dos professores, da família etc. Porém, nessa pergunta há algo que me deixa pensando e me dou conta de que, mais do que fórmulas institucionais, não há uma resposta.

Realmente, como se forma um leitor? Ou talvez, é possível formar um leitor? Dito com maior precisão: um leitor do que? É perfeitamente possível que todo mundo treine as habilidades necessárias para ser um leitor; também é possível colocar livros e material escrito, impresso ou não impresso, ao alcance de todo mundo. Entretanto, este programa mínimo é muito difícil de cumprir. Nas últimas décadas, por exemplo, a Argentina mostra que não cumpre e de que muitas escolas não estão em condições de distribuir as habilidades necessárias por razões educativas internas e por motivos que chocam com a escola e influem sobre ela, como a desigualdade e a pobreza. Tudo isto já sabemos, mas nos afasta da pergunta.

Provavelmente a resposta seja impossível. Um telespectador se forma sentado na frente da televisão. Se chegasse um extraterrestre com nossas mesmas características intelectuais e durante uma semana assistisse à televisão, saberia quase tudo o que é necessário para tornar-se um telespectador. É mais difícil a formação de um aficionado a qualquer música popular. Não quero dizer simplesmente um fã de uma banda, mas um aficionado, alguém que entende de estilos, diferencia intérpretes, conhece períodos além dos que estão na moda; não quem escuta música como ruído ou sente amor por um somente um artista. Contudo, poucos se interessam pela pergunta sobre como se forma um aficionado pelo rock ou pela salsa.

Como se forma alguém que saiba ver um jogo de futebol ou tênis? Entendo bem que ninguém pensa que o destino da sociedade passa por formar espectadores que se concentrem como especialistas. Há motivos para que isso não interesse a ninguém, apesar de que talvez alguém deveria se preocupar com o fato de  que os esportes sejam, para a maioria, algo que se veja e não se jogue. A paixão esportiva que quase todos sentem é uma paixão por ver que não toca diretamente o próprio corpo.

Como se forma um cidadão? A escola parece novamente responsável por  responder essa pergunta e com sucesso. Porém, os melhores professores do planeta não podem competir com alguns jornalistas da televisão com pouca cultura ou maquiavélicos que, qualquer dia, agitam a opinião pública com a falsa ideia de que a  liberdade de um criminoso, na prática, equivale a declará-lo inocente. Seria bom preocuparmo-nos com a formação de leitores, mas quase me parece mais importante a de cidadãos que podem distanciar-se dos piores representantes do establishment audiovisual.

Uma pergunta interessante, ja que falamos da televisão, seria como se forma um público que não coroe os programas de Susana Giménez com as cinco estrelas de popularidade. É possível esse público? Ou se trata apenas de una fantasia de intelectuais alienados do mundo?

Se soubéssemos como se forma um leitor, provavelmente também saberíamos responder às perguntas sobre a formação dos cidadãos e de públicos musicais, esportivos ou audiovisuais. Mas, no fundo, não sabemos como se forma um leitor, apesar de conhecermos bem quais são as habilidades necessárias. É evidente que sabemos como se forma um leitor de livros técnicos, de divulgação histórica, de auto-ajuda ou best-sellers: esses livros entregam quase exatamente o que prometem, valem o que custam. O que ignoramos é como se forma um leitor que suporte a incerteza e a complexidade. Em poucas palavras: não sabemos como se forma um leitor de literatura. (grifos nossos)

*ESCRITORA E ENSAÍSTA

Tradução livre realizada por Marcos Peter Pinheiro Eça.


Abraço argentino a todos,
Marcos.

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