...ACASO+
A l M A l A v A d A+(A)gêneros+incondicionais
amores...
Há amores
que nos atravessam,
que nos
rasgam,
que nos
dilaceram,
que são
como tatoos em nossas peles… M.Ê.ç.Á.
PRÓLOGO
Inicio meu
texto resgatando um momento histórico (simbolicamente) de minha vida:
Ontem,
domingo, 28/10, havia comprado um ingresso para assistir ao novo longa-metragem
de Xavier Dolan - Laurence Anyways
(2012): brilhante e tão bom quanto Eu
matei minha mãe (J´ai tué ma mère, 2009) e Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires, 2010) - às 22:00 na
sala 01 da Reserva Cultural. Havia saído
da reunião do grupo de cinema Cinema
Paradiso por volta das 19:20, onde havia discutido o incrivelmente
catastrófico Moonrise Kingdom (2012)...
Cedo cheguei à Reserva, às 20:00, aproximadamente... Paulista ainda
tranquila... Aos poucos, não a escadaria de Odessa - mas simbolicamente,
poderia sê-lo -, a escadaria da Gazeta e a Paulista vão sendo tomadas pelo
povo... Cruzo com Carol Almeida - comento que me recordo do dia em que
celebramos as Diretas Já, criança eu
naquela época; homem humanista idealista quixotesco nos/dos dias atuais - que
desencadeia uma cadeia, uma avalanche e outros cruzamentos se produzem... Nós
celebramos a vitória com Hadadd e ele a celebra conosco: movimento moebélico...
Bela, linda, emocionante fala... Discurso lúcido que, aos poucos, me faz
deslocar-me+movimentar-me de tempos um tanto treviáticos para tempos um pouco
menos treviáticos... não sou dado a dicotomias, ou melhor, prefiro falar de
movimentos pendulares e ora tendermos mais a uma borda, ora a outra...
Entro na
sala 01 do cinema da Reserva 15 minutos atrasados... não pude ouvir a fala da
atriz Suzanne Clément, mas impossível
ser onipotente, onipresente, onisciente... Não quero e não sê-lo-EI... sem
neuras... celebrava EU um momento de movimentos+deslocamentos em/de Sampa... (o
texto continuará em meu blog...). E, agora, começa a continuar...
Ao final de meu texto, desenvolverei minúsculas
relações entre o momento histórico vivido por mim e o filme Laurence Anyways de Xavier Dolan.
“O QUE ME IMPORTA É A PESSOA.
EU SIGO A LÓGICA DO CORAÇÃO.”
LAURENCE ANYWAYS… 2012… xAVIER dOLAN…
Xavier Dolan desde seu longa-metragem
de estreia, Eu matei minha mãe (J´ai
tué ma mère, 2009), mostra-se cada vez mais brilhante em relação à linguagem
que propõe… ou melhor: não tem medo de (H)errar, de se arriscar (A ARTE DEVE
TER O DIREITO A SE ARRISCAR A SER RUIM, 29ª BIENAL DE SÃO PAULO: 2012... mas,
sua arte não é NADA ruim... é genial, pelo menos para mim…), de propor algo que
nos movimente, que nos saque da ruminação e da regurgitação tão frequentes em
nossa sociedade atual…
Laurence
Anyways é um filme atravessado por inúmeras
questões que tentarei desenvolver ao longo de meu texto. Entretanto, de minha
perspectiva, há dois pontos fulcrais abordados no filme: amores dilacerantemente incondicionais e a questão dos gêneros no/do mundo atual, ou melhor, prefiro começar
a falar em/ACERCA de Agêneros: para mim, o masculino, o
feminino começam a sofrer movimentos+deslocamentos... nem melhores, nem piores,
apenas pequenos, apenas pequenas fissuras começam a ocorrer na HUMANIDADE... não
as julgarei, nem tenho o direito a fazê-lo dado que não sou um dos DEUSES do
mundo atual e nem tenho a intenção de sê-lo-EI...
O filme narra a história de Laurence Emmanuel James Alia (Melvil
Poupaud) e de Fred(erique) (Suzanne Clément). Inicialmente, parece-me
haver uma espécie de brincadeira com os nomes dos protagonistas do filme porque
tanto o nome Laurence quanto Fred me sugerem nomes “neutros” – categoria
praticamente inexistente na/da língua portuguesa –, ou melhor, Laurence tanto
poderia ser um homem quanto uma mulher, como Fred também… Primeira brincadeira
de Dolan... Remeto-me, nesse momento, ao brilhante Machado de Assis que pensava
exatamente na designação a ser dada a cada uma de suas personagens de seus contos
e/ou romances...
A abertura
do filme é belíssima: noto uma câmera que corre perseguindo a maneira de andar
de uma pessoa que, ao haver o afastamento dessa câmera e abrir dos pés para o
corpo, notamos ser Laurence. A meu ver, a câmera de Dolan flutua, ou seja, ele
não tem medo de se jogar, de se lançar, de (H)errar… segunda grande brincadeira
(adulta e séria) que percebo em seu gesto fílmico. Steve Gravestock afirma que Dolan tem um
“hyper-florid style” (estilo hiper florido/super florido/uber florido) e concordo com ele... talvez seja esse excesso, esse “barroquismo”
de Dolan o que me fascine em seus filmes... O que para mim, não é um problema,
mas “O” é para outros... Quiçá eu pense, reflita, discuta a questão de
rompimentos de as dicotomias por
ser eu tão dicotômico: sou 8 ou 80; todavia: começo a transitar pelas bordas
dos 40... rs... (somente daqui a 2 anos, rs....). Ainda segundo Gravestock,
trata-se de “an epic romance” (um romance épico) e novamente concordo com ele
porque o filme é, efetivamente, em todos os sentidos, um romance épico e o
filme é um épico, ou melhor, um tanto longo – mas para narrar uma história com
toda a complexidade proposta por Dolan sem ser raso e/ou superficial quase três
horas de filme eram necessárias –, mas não me cansei nada nas duas vezes a que
o assisti.
Após a
cena inicial, o filme volta 10 anos e somos lançados para setembro de 1989, ou
seja, o filme termina em 1999: quase virada de milênio. Passa-se um mês: somos
jogados para outubro de 89. E, aos poucos vamos sabendo da vida de Laurence e
de Fred: ele é um professor de jovens (talvez de Ensino Médio e/ou
Universitário, não tenho essa questão muito clara...) que acabara de receber um
prêmio e todos da Instituição Escolar onde ministra aulas comentam esse fato e
o parabenizam. Essa instituição é representada de maneira conservadora e repressora
– como geralmente são as escolas... (generalização de minha parte: tenho
consciência disto, apesar das raras exceções existentes). O que quero dizer com
isto é o fato de dificilmente encontramos professores que entendam os que têm
alma de artistas, os que desejam romper as regras e, frequentemente, nos dizem:
você não sabe escrever, isso está errado... Porém: questiono-me: se Guimarães
Rosa brincou com a língua, porque eu também não posso brincar? (com isso não
quero dizer que eu seja um Guimarães Rosa ou que tenha sua genialidade, apenas
quero dizer que algumas regras podem ser rompidas sem problema algum, desde que
haja uma intencionalidade por parte de quem o faz... liberdade ilusória, dado
que esta é uma construção social...).
Além do mais: adoro a trilha sonora
que Dolan coloca em seus filmes. Identifico-me profundamente com as músicas de
seus longas, porque ele não é hermético, ou melhor, transita/circula/perambula
do pop ao erudito+do erudito ao pop: a meu ver, isso é brilhantismo e
genialidade… não vejo como um problema... Sua colcha de retalhos é muito bem
costurada, bordada, entrelaçada... Outro elemento genial é o fato de a
fotografia do filme ser impecável. Há cenas que são pinturas/quadros: como uma
em que há uma dança de lençóis em uma rua vazia, quiçá, revelando o quão
apaixonados são Laurence e Fred um pelo outro e apontando para a complexidade e
caoticidade do relacionamento de ambos...
Há várias cenas
em que estão dentro do carro discutindo, brigando, se xingando, vivendo, se amando,
porque relacionamentos são assim também… Em relacionamentos humanos, há rusgas
que precisam ser aparadas e Dolan consegue expor suas personagens, revelar seus
conflitos, suas contradições, de forma humana, sensível e poética... Isso, a meu
ver, é sagacidade, apesar de ele ser um jovem diretor jovem de cinema de apenas
23 anos de idade.
Há um momento em que Laurence coloca
clipes em seus dedos sugerindo que gostaria de ter unhas compridas. Associo esse
simples gesto à questão de as mulheres terem as unhas compridas e pintadas,
isto é, Dolan começa a dar-nos as pistas do que deseja abordar e desenvolver em
seu longa-metragem. Em outros dizeres: um homem que se sente mulher, porém,
tudo isso é muito complexo porque ele não é um travesti, não é um transexual,
não é um crossdresser (aquele que ultrapassa o modo de se vestir)... Tempos
complexos, tempos caóticos são os nos quais vivemos atualmente...
A família de Laurence: seus pais são
distantes, frios… a mãe um pouco menos, mas o pai vive enfrente à TV assistindo
a programas insignificantes…
Até o momento em que Laurence diz a Fred
que gostaria de ser mulher, ou melhor, a questão é mais complexa do que posso
tentar materializar por meio de meus dizeres porque Laurence é um homem que se
sente mulher uma vez que, para ele, ele nasceu em um corpo errado, mas essa
personagem não é um homossexual, ou seja, não gosta de homens… Apenas é um
homem que se sente mulher e quer ser mulher, porém continua apaixonado por Fred,
sua namorada, sua companheira, sua alma gêmea. Remeto-me ao incrível A dupla vida de Veronique (La double vie
de Véronique, 1990, Krzysztof Kieślowski). Contudo, como
lidar com tanta complexidade? Em um primeiro momento, Fred até aceita esse “desejo”
de Laurence, porém, isso, pouco a pouco, torna-se insustentável e insuportável…
Mas, Fred o ama porque enuncia em um momento do filme:
“Eu
preciso acordar ao lado dele.
Eu preciso
dos antebraços dele.”
Esse enunciado remete-me a questão da
masculinidade, da proteção, do provedor, do macho, do homem Laurence…
Por outro lado: a mãe de Laurence afirma:
“A porta está fechada”.
Hermetismo familiar, conservadorismo
familiar… Mas ao mesmo tempo ele pergunta a sua mãe se ela continuará o amando
e ela lhe responde da seguinte maneira:
“Você vai virar mulher ou um idiota?”
Fissuras nos hermetismos ditos: não
somos isto ou aquilo; seres humanos são complexos, caóticos, incoerentes, um
turbilhão de emoções ao mesmo tempo, e tudo isto é o que encontramos nos longas
de Dolan...
O tempo passa. Somos alçados a
novembro de 1989.
Há jantares entediantes frequentados por
Fred… referencia direta a Luis Buñuel e a seus filmes.
Entramos em 1990. Aos poucos,
Laurence começa a trajar-se como uma mulher, isto é, usa saia, salto alto,
brincos… mas usa os cabelos curtos e sua forma de andar, pegar os objetos, SER
ainda é um tanto masculinizada… ou seja, apesar de usar roupas femininas ainda
vemos o Laurence homem. Na escola/universidade, apesar de os alunos serem um
tanto “descolados” ao atravessar/passar/andar pelos corredores todos o olham de
forma a julgá-lo, de forma a vê-lo como um freak,
como uma aberração. Tenho consciência de que não é “aconselhável” analisar um
filme relacionando-o a vida de seu diretor: contudo, noto a maneira como
possivelmente olhavam/olham, apontavam/apontam para Dolan ao longo de sua jovem
vida jovem... ou seja, autobiografia total, dilaceral, rasgante, fundadora...
Aos poucos, o Laurence mulher vai emergindo
e Fred até lhe compra uma peruca a fim de que ele, efetivamente, se feminilize.
Porém, ele não gosta de usá-la porque diz que esquenta muito… rs…
Apesar de tudo, Fred aceita a
experiência nova: ou seja, viver com um homem que se sente mulher e quer ser
mulher. Repito que ele não se sente atraído por homens, não se vê como um
homossexual… um transexual... um crossdresser… As questões abordadas em Laurence Anyways, de minha perspectiva,
ainda não forem designadas, e é por essa razão que prefiro falar em Agêneros.
Há uma cena incrível em um
restaurante onde a garçonete/gerente julga o casal o tempo inteiro, debochando,
criticando por meio de um humor negrinho… até o momento em que Fred irrompe de
ira e lhe diz verdades verdadeiras, batendo uma mão na mesa, quebrando pratos…
Enfim, cena que me remete a uma de Magnólia
(Magnolia, 1999, Paul Thomas Anderson) em que a personagem de Julianne Moore
vai comprar uma série de remédios antidepressivos e é absurdamente julgada pelo
farmacêutico de plantão que estava na farmácia. Cena dilacerante e fulcral em+de
minha vida...
Laurence é agredido… Laurence agride
e encontra um grupo de bichas velhas. Estereotipia de Dolan, porém interessante,
dado que bichas velhas também fazem parte do mundo e, mais ainda, do mundo homossexual por onde o filme
transita+circula+perambula...
Ocorre a separação de Laurence e de
Fred. Fred não suporta, não consegue lidar com essa questão do que começo a
definir como Agêneros...
Somos lançados a Trois-Rivières (cidade
de Québec que significa “desambiguação”, ou melhor, tentar de ser ambíguo...)
em 1995. Laurence passou por uma metamorfose e vemos uma mulher, uma escritora
de livros… E descobrimos que Fred agora mora nessa cidade e está casada com um
homem (que se sugere ser rico...). Passados 6 anos desde o início do filme, parece
haver uma espécie de simbiose em Laurence: ele é um homemulher ou+e uma
mulherhomem... não sei muito bem... percebo que paradigmas começam a ser rompidos+descritalizados...
Talvez prefira falar de Aparadigmas...
ainda não sei exatamente tudo o que pretendo+desejo dizer... Não chegarei a
grandes conclusões...
1996. Ilha negra. Roupas caindo do
céu: belíssimo… Chuva de sapos do filme Magnólia:
rompe a monotonia que vinha sendo fiada no filme. Em Dolan, a chuva, para mim,
é um símbolo de poeticidade de seu longa-metragem...
Os dois se amam. Há um casal que tem
uma história semelhante a de Laurence, mas ao revés. É uma mulher que se sentia
homem e fez uma cirurgia para virar, de fato, um homem. E sua companheira diz o
seguinte a Laurence e a Fred:
“O que me
importa é a pessoa.
Eu sigo a
lógica do coração”.
Belíssimo enunciado... Enunciado que
poderia+deveria atravessar+cruzar+dilacerar os tempos atuais...
1999.
Montreal. Entrevista de Laurence. A entrevistadora mal consegue encará-lo… Até
que ele provoca a entrevistadora afirmando que ela não consegue fixar seu olhar
no dele e olhar dentro de seus olhos; pouco a pouco, a entrevista se realiza…
Transitamos pelos espaços da “normalidade”+“marginalidade”…: julgamentos são
feitos... Questiono-me: que sociedade é essa onde vivemos? Quais são os valores do mundo atual? Por
que há tantos julgamentos? Por que há tanta incompreensão e intolerância? Todas
essas perguntas são apenas provocações porque não tenho e não quero ter as respostas
delas.
O outono chega. Há a cena final em
que as folhas começam a cair e somos jogados para o momento em que Laurence e
Fred se conheceram: parece que o filme fecha um ciclo, é como se fosse um
círculo... podemos começar do fim ou podemos iniciar do começo? Olhares são
trocados. Nomes são perguntados. Laurence Anyways é respondido...
Para mim: belíssima reflexão sobre
dilacerantes amores em nossas vidas, como também sobre o que começo a definir
como Agêneros. Simplesmente
genial! Pena que o filme ficou apenas duas semanas em cartaz: eu havia conseguido
vê-lo na Mostra Internacional de Cinema desse ano e em uma sessão antes que
saísse de cartaz na Reserva Cultural. Ademais, esse filme aborda movimentos,
deslocamentos, fissuras em nossa sociedade como o que esperamos que o novo
prefeito de Sampa realize nessa cidade que está pra lá de caótica. Adoro Sampa,
porém, não estou conseguindo viver aqui durante os meses de novembro e dezembro
porque todos estão cada vez mais FREAK...
Termino meu texto em tom panfletário:
Viva Haddad!!!
Viva Dolan!!!
Viva a ARTE!!!
M.Ê.ç.Á. /
novembro de 2012.