Clara voltou encantada de sua última viagem. Contudo não faz referências às importantes pessoas com as quais se encontrou. Não menciona as belíssimas paisagens que conheceu. Não faz alusão a aviões, nem a restaurantes, catedrais nem mesmo às praias. Somente fala do taxista – desculpem-me: do “adorável taxista”, segundo ela – que a levou ao aeroporto.
Minha amiga Clara tinha de pegar o avião às oito e vinte da manhã. E, então, dirigiu-se ao aeroporto internacional de Barajas, Madri, tomada por uma certa sonolência. Somente saiu deste estado ao ter de pagar pela corrida do táxi. Nesse momento percebeu que tinha saído sem um único centavo.
– Por mim não se preocupe, senhorita – dizia o taxista –, pode me pagar qualquer dia que nos encontrarmos.
O taxista não parecia nem um pouco preocupado com a ideia de perder dezesseis reais. Isso porque esperar um encontro casual de um passageiro com um taxista em Madri é como procurar uma agulha em um palheiro.
– Mas – gaguejava Clara enquanto seu rosto tomava a cor do seu nome – o problema não são apenas seus dezesseis reais. O problema é que meu avião parte dentro de vinte minutos e eu não posso ir à Málaga com apenas a passagem do avião.
O taxista sensibilizado começou a contar seus montinhos de notas para o troco e as ofereceu gentilmente para minha amiga de trabalho.
– Não sei se sessenta e cinco reais são suficientes. Se a senhora quiser posso pedir emprestado para algum amigo meu. Devo conhecer alguém por aqui.
Claro não sabia se começava a chorar ou se abraçava o taxista que há meia hora era um desconhecido e que, agora, se mostrava uma pessoa extremamente fraterna. Decidiu aceitar, envergonhada e feliz, a generosidade do taxista e saiu correndo em direção ao avião porque já convocavam seu voo pelos alto-falantes. Mas, é claro que antes telefonou para sua casa para que reembolsassem o taxista pelo empréstimo.
Clara não sabe o nome do motorista e, com todo seu nervosismo, não lhe ocorreu anotar a placa do taxi. Ela me pediu que agradecesse nesta página, caso o bom homem chegasse a lê-la. Mas me pede, sobretudo, que conte a história a meus leitores para que confirmem a ideia de que, quando eu digo que no mundo há muito mais o bem do que o mal, não estou contando fábulas, porém falando deste maravilhoso mundo que acreditamos ser horrível.
Eu, que em matéria de carros sou completamente analfabeto, inclusive não sei distinguir o acelerador da embreagem, sinto-me de algum modo mais confortado desta minha ignorância porque tenho um pequeno número de amigos taxistas. Aliás, fico irritado quando alguém usa esse substantivo como um insulto semelhante a “grosso” ou a “selvagem”. Eu não quero dizer que nessa profissão – e em qual profissão? – não haja pessoas de má índole. No entanto, eu conheci mais taxistas simpáticos e cordiais do que vulgares. E sempre estavam com um bom humor admirável: por esse motivo eu canonizaria esses profissionais que, depois de dirigir doze horas por Madri, ainda são capazes de manter a alegria! E eu não estou escrevendo esse artigo para bajular os taxistas. Estou escrevendo para dizer que, frequentemente, as pessoas menos intelectualizadas dão aos mais lidos lições de profunda humanidade.
Assombrosamente a cultura seca o coração de algumas pessoas; não porque a cultura seja indigesta, mas porque se apoiando nela, há quem acredite colocar-se em um lugar superior porque se considera melhor do que os outros.
E quem disse que o centro da Humanidade é a inteligência e não o coração, a solidariedade ou a alegria? Provavelmente não seja politicamente correto propor tais questionamentos. O lógico é que quanto mais inteligência se possui maior abertura de espírito e maior satisfação por viver. Mas não esconderei que, se me obrigassem a escolher, eu preferiria a generosidade desse taxista aos rancores inteligentes de algum outro amigo meu.
Em: El País, Cuaderno de Apuntes. Não havia referência ao autor (caso alguém saiba quem escreveu essa crônica, por favor, passe-a para mim). Tradução e adaptação: Marcos Peter Pinheiro Eça. Agradeço à Sandra Martins Correia pela revisão do texto e à professora Neide Maia González que me “apresentou” esse texto em uma de suas brilhantes aulas de Língua Espanhola II, cursada na FFLCH-USP, no segundo semestre de 1994. Sandra e Neide, muitíssimo obrigado a vocês!
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