segunda-feira, 19 de setembro de 2011

MELANCOLIA, WAGNER E JUSTINE...

Ontem, 18 de setembro, fui reassistir ao filme "Melancolia" com um amiga querida. Já o havia visto há duas semanas e havia saído estasiado/extasiado/ecstasiado do cinema, ou seja, havia tido múltiplos orgasmos audiovisuais (rs...). Portanto, queria reassisti-lo pra saber se, efetivamente, o filme me emocionava/tocava tanto quanto da primeira vez que o havia visto. Lembro-me de que na primeira vez que o assisti havia sido imensamente tocado pelo prólogo, por um furacão de imagens ao longo do filme e pela cena final. Explicar-me-ei (emprego a mesóclise apenas pra divertir-me um pouco, rs...) a continuação.
O filme inicia-se com um prólogo magistral. Além da série de imagens serem deslumbrantes, há um personagem genial: a trilha sonora, ou melhor, a música composta por Wagner (1813-1883) para a ópera "Tristão e Isolda". Aqui preciso agradecer ao Luís Henrique por haver-me apresentado esse espaço da música erudita/clássica. Muitíssimo obrigado, Lu! Bom... talvez seja interessante comentar algo sobre o mito de "Tristão e Isolda". Para esse comentário vou empregar-me do esquemão wikipédia, copiar e colar (rs...).

"Tristão e Isolda é uma história lendária sobre o trágico amor entre o cavaleiro Tristão, originário da Cornualha, e a princesa irlandesa Isolda (ou Iseu). De origem medieval, a lenda foi contada e recontada em muitas diferentes versões ao longo dos séculos.
O mito de Tristão e Isolda tem provável origem em lendas que circulavam entre os povos celtas do norte da Europa, ganhando uma forma mais ou menos definitiva a partir de obras literárias escritas por autores normandos no século XII. No século seguinte a história foi incorporada ao Ciclo Arturiano, com Tristão transformando-se em um cavaleiro da távola redonda da corte do Rei Artur. A história de Tristão e Isolda provavelmente influenciou outra grande história de amor trágico medieval, a que envolve Lancelote e a Rainha Genebra. A partir do século XIX até os dias de hoje o mito voltou a ganhar importância na arte ocidental, influenciando desde a literatura até a ópera, o teatro e o cinema.
A Lenda
O mito de Tristão e Isolda foi retratado de diferentes maneiras na Idade Média. Em linhas gerais a história pode ser descrita assim: Tristão, excelente cavaleiro a serviço de seu tio, o rei Marcos da Cornualha, viaja à Irlanda para trazer a bela princesa Isolda para casar-se com seu tio. Durante a viagem de volta à Grã-Bretanha, os dois acidentalmente bebem uma poção de amor mágica, originalmente destinada a Isolda e Marcos. Devido a isso, Tristão e Isolda apaixonam-se perdidamente, de maneira irreversível, um pelo outro. De volta à corte, Isolda casa-se com Marcos, mas Isolda e Tristão mantêm um romance que viola as leis temporais e religiosas escandalizando a todos. Tristão termina banido do reino, casando-se com Isolda das Mãos Brancas, princesa da Bretanha, mas seu amor pela outra Isolda não termina. Depois de muitas aventuras, Tristão é mortalmente ferido por uma lança e manda que busquem Isolda para curá-lo de suas feridas. Enquanto ela vem a caminho, a esposa de Tristão, Isolda das Mãos Brancas, engana-o, fazendo-o acreditar que Isolda não viria para vê-lo. Tristão morre, e Isolda, ao encontrá-lo morto, morre também de tristeza."

A ópera
"A ópera Tristão e Isolda tornou-se um marco na história da música e certamente foi escrita cinquenta anos à frente de seu tempo. A textura musical de Tristão é diferente de qualquer outro trabalho de Wagner, aonde se destaca um complexo de harmonias cromáticas, dissonâncias e uma narrativa musical num estilo tipicamente sinfônico. O compositor não nos conta uma lenda, mas nos apresenta um psicodrama aonde a realidade externa e visível é representada no palco. O invisível, o íntimo intangível da mesma realidade é articulado pela música. Verdi, que nunca escondeu sua admiração pela obra de Richard Wagner declarou: Até hoje não entendi como esta música foi criada por um simples ser humano." Arthur Torelly Franco

Possivelmente e provavelmente, as distintas relações das personagens do filme permitiram a Lars von Trier o emprego de tão bela composição em sua obra-prima cinematográfica, especialmente a "relação" de Justine (Kirsten Dunst) com Michael (Alexander Skarsgard), seu noivo/marido. É evidente que von Trier emprega essa ópera não apenas devido aos diversos relacionamentos "frustrados", porém, essa pode ser uma das razões... Como introduzimos a personagem Justine, falemos um pouco dela. Conheço essa personagem por meio da peça de teatro do grupo Satyros, exatamente intitulada "Justine".  Ela é uma das personagens criadas pelo Marquês de Sade (1740-1814):
"Duas personagens criadas por Sade foram suas ideias fixas durante décadas: Justine (que se materializou em várias versões de romance, ocupando muitos volumes), a ingênua defensora do bem, que sempre acaba sendo envolvida em crimes e depravações, terminando seus dias fulminada por um raio que a rompe da boca ao ânus quando ia à missa, e Juliette, sua irmã, que encarna o triunfo do mal, fazendo uma sucessão de coisas abjetas, como matar uma de suas melhores amigas lançando-a na cratera de um vulcão ou obrigar o próprio papa a fazer um discurso em defesa do crime para poder tê-la em sua cama."

Antes de continuar elaborando alguns comentários a respeito do filme "Melancolia", a interpretação de Andressa Cabral na peça "Justine" é simplesmente monstruosa. Grande atriz, grande mulher... Quem não a viu, vá vê-la porque é imperdível! 
Retornando ao filme "Melancolia": Justine interpretada divinamente bem por Kirsten Dunst até pode ser uma mulher melancólica, depressiva, mas mais do que isso é alguém que sente como vivemos tempos duros, impiedosos, cruéis, isto é, tempos onde nos encontramos doentes, fechados, trancafiados em telas de celulares, de tablets, iphones, ipods... Estamos virando máquinas e não olhamos mais ao redor, não dizemos mais "bom-dia", não apreciamos como é bom comer um pacote de picoca sentados em uma simples praça pública. Essas ações/comentários são piegas, porém lúcidos... Ás vezes, um pouco de pieguice pode ser bom para nossas míseras vidas! A meu ver, Justine é uma espécie de para-raios da sociedade atual. Não à toa as cenas revelando sua intensa relação com a natureza/a vida. Destaco aqui a cena em que fica nua "recebendo os raios" do planeta Melancolia ao se aproximar da Terra. 
Além de Justine, Claire (Charlotte Gainsbourg) nos proporciona outra espetáculo de interpretação, especialmente, na cena final. Lars von Trier afirmou que talvez não sejam duas mulheres, mas dois lados de uma mulher. Essa ideia me parece interessante se partirmos do conceito de que vivemos em tempos de identidades múltiplas, multifacetas (Stuart Hall, A identidade cultural na pós-modernidade). Gosto muitíssimo também das falas da mãe de Justine e Claire, Gaby (Charlotte Rampling). Apesar de serem enunciados extremamente difíceis de serem ouvidos, são de uma lucidez inacreditável. Por que sempre precisamos ser politicamente corretos? Às vezes, um pouco de impolidez é fulcral!
Ao conversar com minha querida amiga com quem fui assistir ao filme, ela comentou que os homens do filme são fracos. Adorei esse comentário. O pai é um louco, doente, desmemoriado, terá mal de alzheimer?... O chefe de Justine, um escroto, um típico neoliberal... O noivo/marido, um fraco, apesar de toda sua beleza física... O marido de Claire, outro débil, apesar de sua intelectualidade... Os homens do filme "Melancolia" não tem o brilho que Justine, Claire e Gaby possuem. Talvez o único que possua esse brilho seja o sobrinho de Justine, filho de Claire, um menino adorável e lindo que inventa um simples objeto a fim de mostrar o quanto o planeta Melancolia estava aproximando-se/afastando-se da Terra. Sacada genial o simples objeto criado por esse menino!
A respeito das cenas, além do genial prólogo, as cenas do casamento, para mim, são divertidíssimos. Revelam essa sociedade hipócrita, nojenta, cheia de regras e de mecanismos de castração onde vivemos. Ademais, a cena em que desenham em balões, acendem suas tochas e eles dançam no céu é divina; como também as cenas em que caem cinzas do céu, em que aparecem as duas luas em tons azulados e quando se inicia a chuva de granizo quase ao final do filme. Todas essas cenas são de um lirismo inesquecível! E a pequena cabana criada por Justine é belíssima... Enfim, como comentei com alguns amigos, de minha singela perspectiva, obra-prima de primeira categoria, ou seja, um dos melhores filmes de 2011. 
Para terminar e lançar uma pequena provocação, apenas me questiono: o que poderemos fazer para sobreviver e suportar tempos tão desumanos e desafetivos? 
Um abraço afetuoso a todos,
Marcos.

Aproveitem e vejam que lindo (o youtube serve pra isso mesmo, rs...):
http://youtu.be/QrcpxETbDxg

P.S.: Se ainda não leram o artigo de Daniel Piza (Ensaios d´amor) dessa semana - domingo, 18/09/2011 - publicado em "O Estado de São Paulo", procurem-no na web porque está imperdível!       
 

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