A Experiência Criativa
por Viola Spolin
Este artigo foi extraído do livro Improvisação para o Teatro (Coleção Estudos, Editora Perspectiva, São Paulo, 1979, tradução de Ingrid Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos) e nele a autora norte-americana expõe os principais fundamentos de seu método. Em seguida, apresentamos um resumo de suas sugestões (originalmente 96!?) para a correta avaliação dos exercícios propostos.
Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco. Aprendemos através da experiência e ninguém ensina nada a ninguém. Isto é válido tanto para a criança que se movimenta inicialmente chutando o ar, engatinhando e depois andando, como para o cientista com suas equações. Se o ambiente permitir, pode-se aprender qualquer coisa, e se o indivíduo permitir, o ambiente lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar. “Talento” ou “falta de talento” tem muito pouco a ver com isso.
Devemos reconsiderar o que significa “talento”. É muito possível que o que é chamado comportamento talentoso seja simplesmente uma maior capacidade individual para experienciar. Deste ponto de vista, é no aumento da capacidade individual para experienciar que a infinita potencialidade de uma personalidade pode ser evocada.
Experienciar é penetrar no ambiente, envolver-se total e organicamente com ele. Isto significa envolvimento em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo. Dos três, o intuitivo, que é o mais vital para a aprendizagem, é negligenciado. A intuição é sempre tida como sendo uma dotação ou uma força mística possuída pelos privilegiados somente.
No entanto, todos nós tivemos momentos em que a resposta certa “simplesmente surgiu do nada” ou “fizemos a coisa certa sem pensar”. Às vezes em momentos como este, precipitados por uma crise, perigo ou choque, a pessoa “normal” transcende os limites daquilo que é familiar, corajosamente entra na área do desconhecido e libera por alguns minutos o gênio que tem dentro de si. Quando a resposta a uma experiência se realiza no nível do intuitivo, quando a pessoa trabalha além de um plano intelectual constrito, ela está realmente aberta para aprender.
O intuitivo só pode responder no imediato - no aqui e agora. Ele gera suas dádivas no momento de espontaneidade, quando estamos livres para atuar e inter-relacionar, envolvendo-nos com o mundo à nossa volta que está em constante transformação. A espontaneidade cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de referência estáticos, da memória sufocada por velhos fatos e informações, de teorias não digeridas e técnicas que são na realidade descobertas de outros. A espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente à frente com a realidade e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela.
Nessa realidade, as nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico. É o momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa.
Tanto a “pessoa média” quanto a “talentosa” podem ser ensinadas a atuar no palco quando o processo de ensino é orientado no sentido de tornar as técnicas teatrais tão intuitivas que sejam apropriadas pelo aluno. É necessário um caminho para adquirir o conhecimento intuitivo. Ele requer um ambiente no qual a experiência se realize, uma pessoa livre para experienciar e uma atividade que faça a espontaneidade acontecer.
Sugestões e Lembretes
(Para Professores e Alunos)
1) Não apresse os alunos-atores. Dê as instruções calmamente.
2) A interpretação e a suposição impedem o aluno de manter uma comunicação direta. Esta é a razão pela qual dizemos Mostre, não Conte. Contar é verbal e uma forma indireta de indicar o que está sendo feito. Mostrar significa contato e comunicação direta.
3) É fundamental o processo de fazer. Durante a solução de um problema de atuação, o aluno se conscientiza de que ele atua e estão atuando sobre ele.
4) Sem exceção, todos os exercícios estão terminados no momento em que o problema está solucionado. Isto pode acontecer em um minuto ou em vinte. A solução do problema é a força vital da cena. Continuar uma cena depois que o problema tenha sido solucionado torna-se estória ao invés de processo.
5) É a energia liberada na solução do problema que forma a cena.
6) Uma preleção nunca realizará o que uma experiência faz pelos alunos-atores.
7) Enquanto um grupo estiver trabalhando no palco, o professor-diretor deve também observar a reação da platéia. Se esta apresentar sinais de inquietude ou desinteresse, é que algo não está caminhando bem no palco.
8) A essência da improvisação é transformação.
9) Evite dar exemplos. Se, por um lado, eles são algumas vezes úteis, o contrário é mais freqüentemente verdadeiro, pois o aluno está inclinado a devolver como resposta o que já foi experienciado.
10) Nenhum artifício exterior deve ser utilizado durante uma improvisação. Toda a ação do palco deve vir do que está realmente acontecendo no palco.
11) Como nos jogos, os alunos só podem atuar se derem atenção completa ao ambiente.
12) A disciplina imposta de fora e não desenvolvida a partir do envolvimento com o problema, produz ação inibida ou rebelde. Por outro lado, a disciplina escolhida livremente graças à atividade, torna-se ação responsável e criativa. Quando as dinâmicas são incorporadas e não impostas, as regras são respeitadas e é mais divertido.
13) Invenção não é o mesmo que espontaneidade. Uma pessoa pode ser muito inventiva sem, contudo, ser espontânea. A explosão não acontece quando a invenção é meramente cerebral e, portanto, abarca somente uma parte do nosso ser total.
14) Só use exercícios avançados quando perceber que os alunos estão preparados para recebê-los.
15) Não seja impaciente. Nunca force uma qualidade nascente para chegar a uma falsa maturidade, por meio de imitação ou intelectualização. Cada passo é essencial para o crescimento.
16) Quanto mais bloqueado e obstinado o aluno, mais longo o processo. O mesmo se aplica ao professor.
17) Não se preocupe se um aluno aparenta estar fugindo da idéia que o professor tem sobre o que deveria estar acontecendo com ele. Quando ele confiar no esquema e tiver prazer no que faz, ele abandonará os laços que o impedem de se libertar e de ter uma resposta completa.
18) Todo indivíduo que se envolve e responde com seu todo orgânico a uma forma artística, geralmente devolve o que é comumente chamado de comportamento criativo e talentoso. Quando o aluno-ator responder com alegria e vitalidade, o professor-diretor saberá então que o teatro está em sua pele.
19) A improvisação inconseqüente e a verbalização em demasia, durante a solução de um problema, constituem um afastamento do problema, do ambiente e do companheiro.
20) Treine os atores a manipular a realidade teatral, não a ilusão.
21) Não ensine. Exponha os alunos ao ambiente teatral e eles encontrarão seu próprio caminho.
22) Nada está separado. O crescimento e o conhecimento residem na unidade das coisas. Os aspectos técnicos do teatro estão à disposição de todos em muitos livros. Nós procuramos muito mais do que informação acerca do teatro.
23) Criatividade não é rearranjo, é transformação.
24) A imaginação pertence ao intelecto. Quando pedimos a alguém que imagine alguma coisa, estamos lhe pedindo que penetre em seu próprio quadro de referência, que pode ser limitado. Quando pedimos que veja, estamos colocando-o em uma situação objetiva, onde pode ocorrer a penetração no ambiente e na qual a consciência maior é possível.
25) Ninguém pode participar de uma improvisação se não estiver firmemente concentrado tanto no objeto como no seu companheiro.
26) Um momento de grandiosidade chega para todos quando atuam a partir de sua essência sem a necessidade de aceitação, exibicionismo ou aplauso. Uma platéia sabe disso e reage de acordo.
27) Uma platéia não se sente nem relaxada nem entretida quando não incluída como parte do jogo.
28) A resposta mecânica ao que está acontecendo é uma coisa cansativa e monótona.
29) Atuar é fazer.
30) Nenhum aluno pode decidir sozinho que uma cena está terminada, mesmo se seu sentido teatral estiver correto. Se, por qualquer razão, desejar sair de cena, ele poderá fazê-lo incitando uma ação dentro do grupo que termine a cena pela solução do problema, ou encontrando uma razão para sair dentro da estrutura da cena.
31) É necessário coragem para penetrar no novo, no desconhecido.
32) Quando os alunos estão sempre alerta e desejosos de auxiliar o outro, um sentido de segurança é dado a cada elemento do grupo.
33) Qualquer ator que “rouba” uma cena é um ladrão.
34) Improvisação não é troca de informação entre atores, é comunhão.
35) Qualquer aluno que se sente pressionado acerca do jogo e participa sozinho, não confia em seus companheiros.
36) Muitos só querem reafirmar seu próprio quadro de referência e resistirão a novas experiências.
37) No palco, o ato de tomar por parte de um, é o ato de dar por parte do outro.
38) Ninguém conhece o resultado de um jogo até que se jogue.
39) Sem outro jogador não há jogo. Não poderemos brincar de pegador se não houver ninguém para pegar.
40) A improvisação de cena nunca crescerá a partir da separação artificial de atores pelo sistema de “estrelas”. Atores com habilidades incomuns serão reconhecidos e aplaudidos sem serem separados de seus companheiros. A harmonia grupal agrada a platéia e traz uma nova dimensão para o teatro.
Em: http://lionel-fischer.blogspot.com.br/2009/02/experiencia-criativa-por-viola-spolin.html acesso em 06/03/2013.
Abraço evoénico a todos,
Marcos Êçá.
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