Sou uma mistura de antigo e novo
22 de fevereiro de 2013 | 2h 07
Ignácio de Loyola Brandão - O Estado de S.Paulo
Não creio que Ruy Castro se irrite ao ver que entro de carona no seu barco. Esta semana, em sua crônica na Folha, ele se referiu à invasão tecnológica do mundo, concluindo: me incluam fora. Não tem medo de ser chamado de jurássico, assim como não tenho medo de ser considerado anacrônico, por compartilhar ideias. A verdade é que todo esse aparato não me tem feito mais feliz. Assim como não tem acrescentado tanto à vida dos que têm mil aplicativos no celular, os que possuem Instagram, os que acessam internet no meio da rua, no metrô, no táxi, no estádio. Falando em estádio, dia desses, estava no Pacaembu e vi um sujeito com um smartphone (ou o que seja) assistindo a um jogo. Quando percebi, ele estava vendo pela televisão o jogo que se desenrolava ao vivo à sua frente. Fiquei perplexo!
Aliás, este é um tempo de perplexidades. Até o papa deixou o mundo perplexo e os católicos assustados. Ruy disse que o fax foi uma das invenções que mais o encantaram quando surgiu. Depois, veio a decepção, o fax era capaz de tudo, menos de enviar uma pizza. E naquela época os deliverys não faziam parte de nossos hábitos como hoje. Para mim, o encanto veio com o teletipo, ou telex, aparelho que toda redação tinha. Por ele chegavam notícias internacionais, muitas em inglês, porque estavam sendo redigidas no exterior, naquele momento. Um espanto. Nunca me esqueço da tarde de 22 de novembro de 1963, quando o teletipo anunciou que John Kennedy tinha acabado de ser fuzilado em Dallas, Texas. Acho que eram 2 da tarde aqui. Em torno do aparelho juntou um grupo de jornalistas ansiosos, emocionados, assustados. Vivíamos a história enquanto ela acontecia. Aquilo foi espantoso para nós, jovens. Fomos seguindo passo a passo o trabalho da polícia e a tentativa de recuperação de Kennedy no hospital. Finalmente, o anúncio: o presidente foi declarado morto. Aquele momento foi o nosso encontro com a modernidade na imprensa.
Minha filha diz que sou bobo ao me orgulhar de não ter celular. "Pensa que é bonito?" Não, penso que não preciso atender telemarketings, não preciso atender quem não quero. Encontro quem eu desejo, preciso. O celular nos torna prisioneiros. Há empresas que proíbem funcionários de desligarem o celular nos finais de semana. Você é empregado 24 horas por dia, sete dias por semana, 30 dias por mês. Computador? Tenho. E dos bons. Um Mac que chamei de Big Mac (ainda que eu odeie o sanduíche), porque me serve à perfeição. Tenho laptop. Uso o CD, ainda que tenha descoberto que muitas vezes a mesma música que tenho em vinil tem melhor reprodução e intensidade do que no CD. Mais, descubro que algumas músicas no CD são "editadas", cortadas, faltam trechos. Agora MP-3, iPod, Instagram não tenho. Observo a vida em torno. Ninguém mais vive contente de estar onde está, seja bar, restaurante, cinema. Todos postam fotos e mensagens do que comem, bebem, que filme vão ver, querendo saber do outro onde está, o que come, bebe e se está melhor lá. Há uma imensa solidão nessa rede social. E quanta inveja, quanto ressentimento. Dia desses, ouvi de um garoto: "Filho da p..., ele se saiu melhor indo lá. E nós aqui neste mico!" Dali em diante pareceu infeliz. Outro não se conformava por não ter ido à praia.
Não sei, pode ser que eu seja anacrônico tentando diminuir a velocidade do ritmo em que vivemos. Não preciso de tantas notícias, tantas informações, tantas frases tolas dos Twitters. O tempo que as pessoas passam tuitando. Usamos a palavra inglesa para o aparelho, porém, o verbo aportuguesou. Como entender a língua? Um amigo comeu um belo prato, bebeu um bom vinho, viu um belo filé como essa obra-prima Amor? Me ligue, me mande um e-mail. Bem, quanto a e-mails, despacho vários por dia, ainda que adore escrever cartas, colocar no envelope e pôr no correio. Exige paciência, exercício (uma caminhada até a agência). Nas filas, converso com as pessoas, encontro temas para crônicas.
Assim como vou à estante buscar um livro, gosto de ir à prateleira (no interior, dizem parteleira) e escolher um disco (CD ou vinil), colocar no aparelho, escolher a música. Levanto, ando, penso, decido. Porque tudo hoje se faz sentado e com toques em teclas e mouses. Sou uma mistura do antigo e novo. O bom do novo, aceito, incorporo. As neuras, obsessões, desvios, não. Tento ser feliz assim, ainda que felicidade seja algo indefinível, intermitente, ocasional.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sou-uma-mistura-de-antigo-e-novo-,999987,0.htm acesso em 22/02/2013.
Abraço offliner,
Marcos Êçá.
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