sábado, 2 de fevereiro de 2013

MADEMOISELLE CHAMBON



Se Ficar o Bicho Pega, Se...

            Quando o filme terminou, parecia que eu estava febril, com aquela sensação de estar meio fora do mundo, meio dormindo, meio acordada, como se algo bom e ao mesmo tempo doloroso tivesse tomado conta de mim. Era um misto de prazer e dor. Que belo filme eu acabara de assistir! Mademoiselle Chambon (2009), de Stéphane Brisé, me emocionou ao contar uma história simples onde o amor vem chegando como quem não quer nada, sem ter sido solicitado por ninguém. Não veio ocupar lugares vazios, ou cheios de dor, ou como uma compensação pelo sofrimento de um casal desarmônico ou infeliz, não veio como uma tábua de salvação, não veio preencher carências... Simplesmente veio e foi se instalando devagar como o sono que chega e toma conta da consciência e do corpo da gente. Apesar de ser uma história banal, ela é narrada de um jeito tão delicado, tão sensível que me deixou comovida.
            Jean (Vincent Lindon) é um homem simples, bem casado, bom pai e é um trabalhador braçal do setor de construção. Conhece a professora do seu filho quando vai buscá-lo na escola e ela o convida para conversar com seus alunos sobre seu trabalho, alegando que estava convidando outros pais que tivessem interesse em falar sobre suas profissões, para que os alunos começassem a conhecer um novo aspecto do mundo adulto. Após esse episódio, ela o contrata para consertar uma janela do seu apartamento. Tudo transcorre sem insinuações, com muita discrição de ambas as partes.
No apartamento, há uma foto da professora empunhando um violino. Jean, timidamente, lhe pede que toque uma música. Ele desconhece o nome de compositores eruditos e o nome das composições, mas deixa claro que gosta de ouvir no rádio músicas tocadas empregando o violino. Desse modo, ela toca para ele. Cria-se, aos poucos, entre eles um clima de cumplicidade sem palavras, quase uma comunhão. Ela lhe empresta um CD onde consta a peça que ela executara. Jean a convida para tocar no aniversário de seu pai, como seu presente para ele. E ela aceita. Um dia, os dois juntos ouvem uma gravação do CD e o amor se explicita através de um beijo, abalando a estrutura familiar de Jean. Mas logo depois ele é informado pela esposa de que ela está grávida. Então, ele se afasta da professora e decide trabalhar vigorosamente, com evidente raiva e mau humor. Ela, por sua vez, decide ir embora da cidade para lecionar noutro lugar. Na véspera de sua viagem, após uma despedida sem palavras vivida pelos dois com muita dor, eles decidem – também sem palavras – a consumar sexualmente aquele amor proibido. Combinam de encontrar-se no dia seguinte na estação para irem embora juntos. Mas em vão ela o espera, e termina seguindo sozinha, enquanto ele vê o trem se afastando. A dor de ambos é imensa...
            O sofrimento da separação amorosa é um dos mais difíceis de suportar, todos sabemos disso. Talvez por atingir particularmente todas as pessoas, em todas as camadas sociais, este tenha sido um tema constante na literatura universal há milênios. E muito da produção poética, literária, teatral e musical deve à dor de amor sua riqueza. Estudiosos da alma humana têm focado sua atenção no pesar que a perda física do ser amado provoca no indivíduo e no processo lento decorrente dessa morte.
            Mas o filme aborda a dolorosa experiência da separação em vida de quem se ama. Isso não é estranho a nenhum ser humano. Não trata da morte lenta dos laços mantidos durante muito tempo, da morte progressiva que leva à separação após uma longa vida em comum. Essa também é uma separação dolorosa, cronificada, que incomoda muito, como uma doença que se arrasta devagar até o fim. A morte é lenta e muitas vezes desejada.
O filme representa uma espécie de morte abrupta da relação amorosa entre os dois personagens, como um processo abortivo, no qual o amor continua existindo e os apaixonados se forçam a se esquecerem um do outro, por exigências ou proibições impostas socialmente. É uma ferida aberta, sangrando como se alguma parte tivesse sido arrancada à força, sem anestesia. Pela constatação da impossibilidade de manutenção do amor proibido, os amantes se impõem a ruptura do vínculo.
Como no enamoramento os limites individuais de cada um difusamente se misturam, eles só se sentem completos juntos. Ora, eles foram forçados a se separarem no auge da paixão, e o sentimento é de morte. Quem nunca ouviu de um apaixonado expressões como “ela é minha vida”, “sem ela eu não consigo viver” etc? Há casos de suicídio dos amantes para evitar a separação, que é sentida como mais dolorida do que a própria morte. A separação amorosa e a morte são cúmplices. O amor impossível cria uma renúncia masoquista ao objeto do amor. E no sacrifício do amor proibido, o sentimento de culpa desempenha um papel importante.
            No filme, fica claro que a separação “forçada” vai de encontro à livre escolha que deixa de ser um direito que sai de cena para dar lugar ao dever, à responsabilidade com o outro, enfim, às regras morais. Daí tanta dor e tanta dificuldade de aceitação. Qualquer um dos caminhos será doloroso: ou a dor da frustração da perda amorosa, ou a culpa de ferir entes queridos. Resta o “consolo” de pensar no caráter efêmero de tudo o que se sente, até dessa paixão avassaladora. Se tudo passa, pode ser que ela passe também...

Rianete Lopes Botelho.

Texto publicado no jornal do Cinema Paradiso, boletim nº 278, em 28/10/2010.        

Abraço chamboniano a todos,
Marcos Êçá.   

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