Flores Azuis: seus amores e desamores
Assisti ao filme Azul é a Cor Mais Quente (La
vie d´Adèle, 2013), ganhador
da Palma de Ouro do Festival de Cannes do ano passado, em sua
estreia pelo fato de a crítica de cinema tê-lo considerado polêmico
e voyeurista, ou
seja, estava curioso. Porém,
ao sair do cinema, tive a sensação de que o filme fora um tanto
longo devido às suas quase três horas de duração. Entretanto,
pensando a respeito disso acabei mudando de ideia, talvez porque três
horas seja pouco tempo para representar os conflitos e angústias
vividos por Adèle e Emma, as protagonistas do filme. Seu diretor, o
franco-tunisiano Abdellatif
Kechiche (O
segredo do grão,
2007 e Vênus
Negra,
2010) baseou-se nos
quadrinhos de Julie Maroh publicados em 2010 na França para fazer
seu longa-metragem.
Adèle (Adèle
Exarchopoulos)
é uma jovem que está no Ensino Médio voltado aos
estudos de línguas e literatura. Gosta de ler e defende que o aluno
tenha a oportunidade de dizer o que entende sobre um determinado
livro mais do que receber uma interpretação “pronta e fechada”
de seus professores; diria eu que ela é sensível e humanista.
Provém de uma família simplória em que é importante ter um
emprego fixo e comer uma macarronada apenas para saciar a fome é
mais valorizado do que o diálogo. Não os estou criticando, somente
descrevendo o ambiente de onde ela vem.
Na escola, como a maioria dos jovens, tem seu grupo de amigas e há
um rapaz que se interessa por ela. Em um dos encontros com ele, antes
de chegar a praça onde iria encontrá-lo, há uma das cenas mais
lindas do filme, o momento em que Adèle e Emma
(Léa
Seydoux), sua futura namorada e companheira de cabelos e olhos azuis,
se veem pela primeira vez.
A música tocada é linda. A troca de olhares é fascinante. Mas,
Adèle acaba saindo com o rapaz e em um de seus encontros os dois
transam. Contudo, não é isto o que ela está buscando.
Há um momento, na escola, em que Adèle e uma colega se beijam.
Esta está apenas brincando enquanto aquela está experimentando, se
descobrindo. Adèle vai a um bar gay com um amigo da escola, porém
decide sair desse bar, atravessar a rua e ir a um bar de lésbicas.
Nesse bar conhece formalmente Emma que a “protege” das mulheres
que se encontram ali e lhe pergunta onde ela estuda. A partir daí
dar-se-á o início de uma história de amor. Emma procurará por
Adèle na escola e ambas saem juntas, caminhando tranquilamente pela
rua. Emma já se encontrou emocional e profissionalmente – apesar
de suas inseguranças em relação a seu trabalho – porque sabe que
prefere às mulheres aos homens e cursa a faculdade de Belas Artes
por querer ser pintora. O ambiente de onde ela provém é bem diverso
do de Adèle, ou seja, sua família é de intelectuais franceses e em
sua casa parece predominar o diálogo e ser artista é uma
possibilidade dentre várias outras. Por outro lado, Adèle está
experimentando, está se descobrindo e pretende ser professora. Esse
experimentar, descobrir-se é um dos possíveis temas discutidos no
filme em questão.
Há saltos de tempo no longa, sem que se explicite, e a menina Adèle
torna-se a mulher Adèle. Essa experiência de amadurecimento ao
longo do filme é belíssima. Se compararmos a cena inicial onde ela
sai de sua casa e se dirige rumo à escola, as cenas onde ela recebe
os amigos de Emma em sua casa e a cena final, nota-se claramente o
trabalho de entrega de uma atriz de 20 anos e de direção. Esse
amadurecimento também ocorre com a personagem de Emma que deixa de
ter os cabelos azuis, mas não os olhos, e se torna uma artista
renomada em sua exposição ao final do filme.
Muito se falou acerca das cenas de sexo entre as protagonistas por
serem excessivamente expositivas. Mas compactuarei da opinião de
José Geraldo Couto (Quem tem medo de mulher pelada?, no blog
do Instituto Moreira Salles) sobre o fato de o diretor adentrar em
todos os âmbitos da vida de Adèle, portanto, por que não adentrar
no espaço sexual também? Duas mulheres fazem sexo; como dois
homens; como um homem e uma mulher. A meu ver, acabamos sendo tomados
por discursos moralistas e conservadores e não percebemos a beleza
de uma cena em que dois seres humanos se amam. Pelo menos eu vi amor
entre duas mulheres que se desejam. Além do mais, as pinturas de
Emma representando Adèle são lindas! As cenas em que ambas estão
no parque, quando estão se conhecendo, são de uma delicadeza e
poesia divinas. O primeiro beijo...
Apesar de tudo parecer um mar de rosas, relacionamentos – homos,
heteros, entre pessoas – são complexos e difíceis. Não quero
dizer com isso que sejam impossíveis, mas sabemos que quando
convivemos diariamente com alguém discutimos, brigamos, xingamos,
nos irritamos, ficamos carentes... De certa forma, é o que acontece
entre as protagonistas. Essas experiências de descobertas,
amadurecimento e, inclusive, de luto (simbólico) acabam permitindo
que elas sejam representadas como seres humanos e nós acabamos nos
identificando com o filme.
Para terminar, há algumas questões a serem mencionadas sobre o
filme. A primeira delas é o fato de minha amiga Silvia Mulé e eu
termos visto várias jovens com os cabelos tingidos de azul pelas
ruas de São Paulo, provavelmente devido ao longa-metragem no sentido
de afirmarem sua identidade homossexual. A segunda questão é a
Silvia já citada ter feito um comentário muito significativo acerca
do filme. Ela gostaria que os amores não fossem tão possessivos,
que fossem mais livres. Concordo com ela. Além do mais, eu amei como
Adèle brinca com seu cabelo durante o filme. De acordo com a atriz,
o diretor sugeriu que ela brincasse com o cabelo e lábios o que a
torna uma mulher de uma beleza e sensualidade fascinantes. E a atriz
Léa
Seydoux concorrerá ao prêmio Bafta 2014 por sua atuação nesse
filme. Finalmente,
há uma história que afirma que antigamente o azul era a cor das
mulheres, enquanto que o rosa era a dos homens. Esta
por
ser mais forte, mais intensa; enquanto que
aquela
é mais suave, mais calma. Para mim, não há cor de menino ou de
menina. Há cores, cores com as quais podemos brincar e colorir as
diversas flores (raras)
de nossas vidas.
Marcos
Eça, janeiro de 2014
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