quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Flores Azuis: seus amores e desamores

Flores Azuis: seus amores e desamores


 Assisti ao filme Azul é a Cor Mais Quente (La vie d´Adèle, 2013), ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes do ano passado, em sua estreia pelo fato de a crítica de cinema tê-lo considerado polêmico e voyeurista, ou seja, estava curioso. Porém, ao sair do cinema, tive a sensação de que o filme fora um tanto longo devido às suas quase três horas de duração. Entretanto, pensando a respeito disso acabei mudando de ideia, talvez porque três horas seja pouco tempo para representar os conflitos e angústias vividos por Adèle e Emma, as protagonistas do filme. Seu diretor, o franco-tunisiano Abdellatif Kechiche (O segredo do grão, 2007 e Vênus Negra, 2010) baseou-se nos quadrinhos de Julie Maroh publicados em 2010 na França para fazer seu longa-metragem.
Adèle (Adèle Exarchopoulos) é uma jovem que está no Ensino Médio voltado aos estudos de línguas e literatura. Gosta de ler e defende que o aluno tenha a oportunidade de dizer o que entende sobre um determinado livro mais do que receber uma interpretação “pronta e fechada” de seus professores; diria eu que ela é sensível e humanista. Provém de uma família simplória em que é importante ter um emprego fixo e comer uma macarronada apenas para saciar a fome é mais valorizado do que o diálogo. Não os estou criticando, somente descrevendo o ambiente de onde ela vem.
Na escola, como a maioria dos jovens, tem seu grupo de amigas e há um rapaz que se interessa por ela. Em um dos encontros com ele, antes de chegar a praça onde iria encontrá-lo, há uma das cenas mais lindas do filme, o momento em que Adèle e Emma (Léa Seydoux), sua futura namorada e companheira de cabelos e olhos azuis, se veem pela primeira vez. A música tocada é linda. A troca de olhares é fascinante. Mas, Adèle acaba saindo com o rapaz e em um de seus encontros os dois transam. Contudo, não é isto o que ela está buscando.
Há um momento, na escola, em que Adèle e uma colega se beijam. Esta está apenas brincando enquanto aquela está experimentando, se descobrindo. Adèle vai a um bar gay com um amigo da escola, porém decide sair desse bar, atravessar a rua e ir a um bar de lésbicas. Nesse bar conhece formalmente Emma que a “protege” das mulheres que se encontram ali e lhe pergunta onde ela estuda. A partir daí dar-se-á o início de uma história de amor. Emma procurará por Adèle na escola e ambas saem juntas, caminhando tranquilamente pela rua. Emma já se encontrou emocional e profissionalmente – apesar de suas inseguranças em relação a seu trabalho – porque sabe que prefere às mulheres aos homens e cursa a faculdade de Belas Artes por querer ser pintora. O ambiente de onde ela provém é bem diverso do de Adèle, ou seja, sua família é de intelectuais franceses e em sua casa parece predominar o diálogo e ser artista é uma possibilidade dentre várias outras. Por outro lado, Adèle está experimentando, está se descobrindo e pretende ser professora. Esse experimentar, descobrir-se é um dos possíveis temas discutidos no filme em questão.
Há saltos de tempo no longa, sem que se explicite, e a menina Adèle torna-se a mulher Adèle. Essa experiência de amadurecimento ao longo do filme é belíssima. Se compararmos a cena inicial onde ela sai de sua casa e se dirige rumo à escola, as cenas onde ela recebe os amigos de Emma em sua casa e a cena final, nota-se claramente o trabalho de entrega de uma atriz de 20 anos e de direção. Esse amadurecimento também ocorre com a personagem de Emma que deixa de ter os cabelos azuis, mas não os olhos, e se torna uma artista renomada em sua exposição ao final do filme.
Muito se falou acerca das cenas de sexo entre as protagonistas por serem excessivamente expositivas. Mas compactuarei da opinião de José Geraldo Couto (Quem tem medo de mulher pelada?, no blog do Instituto Moreira Salles) sobre o fato de o diretor adentrar em todos os âmbitos da vida de Adèle, portanto, por que não adentrar no espaço sexual também? Duas mulheres fazem sexo; como dois homens; como um homem e uma mulher. A meu ver, acabamos sendo tomados por discursos moralistas e conservadores e não percebemos a beleza de uma cena em que dois seres humanos se amam. Pelo menos eu vi amor entre duas mulheres que se desejam. Além do mais, as pinturas de Emma representando Adèle são lindas! As cenas em que ambas estão no parque, quando estão se conhecendo, são de uma delicadeza e poesia divinas. O primeiro beijo...
Apesar de tudo parecer um mar de rosas, relacionamentos – homos, heteros, entre pessoas – são complexos e difíceis. Não quero dizer com isso que sejam impossíveis, mas sabemos que quando convivemos diariamente com alguém discutimos, brigamos, xingamos, nos irritamos, ficamos carentes... De certa forma, é o que acontece entre as protagonistas. Essas experiências de descobertas, amadurecimento e, inclusive, de luto (simbólico) acabam permitindo que elas sejam representadas como seres humanos e nós acabamos nos identificando com o filme.
Para terminar, há algumas questões a serem mencionadas sobre o filme. A primeira delas é o fato de minha amiga Silvia Mulé e eu termos visto várias jovens com os cabelos tingidos de azul pelas ruas de São Paulo, provavelmente devido ao longa-metragem no sentido de afirmarem sua identidade homossexual. A segunda questão é a Silvia já citada ter feito um comentário muito significativo acerca do filme. Ela gostaria que os amores não fossem tão possessivos, que fossem mais livres. Concordo com ela. Além do mais, eu amei como Adèle brinca com seu cabelo durante o filme. De acordo com a atriz, o diretor sugeriu que ela brincasse com o cabelo e lábios o que a torna uma mulher de uma beleza e sensualidade fascinantes. E a atriz Léa Seydoux concorrerá ao prêmio Bafta 2014 por sua atuação nesse filme. Finalmente, há uma história que afirma que antigamente o azul era a cor das mulheres, enquanto que o rosa era a dos homens. Esta por ser mais forte, mais intensa; enquanto que aquela é mais suave, mais calma. Para mim, não há cor de menino ou de menina. Há cores, cores com as quais podemos brincar e colorir as diversas flores (raras) de nossas vidas.

Marcos Eça, janeiro de 2014