segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Gravidade de Alfonso Cuarón

A gravidade nossa de cada dia...
 

Fui assistir ao filme Gravidade (2012) de Alfonso Cuarón – diretor mexicano que fez o interessante E sua mãe também (Y tu mamá también, 2001) – por alguns motivos. O primeiro deles é ter lido a crítica de Luiz Carlos Merten no jornal “O Estado de São Paulo” de 11 de outubro de 2013 onde ele afirmava ser um filme deslumbrante; o segundo, é ter aberto o Festival de Veneza desse ano; o terceiro, é minha amiga Leonor Cione, do grupo Cinema Paradiso haver feito alguns comentários interessantes acerca dessa obra. Por último, li um comentário de um rapaz no facebook destruindo o filme, dizendo que havia se arrependido de haver pagado a entrada para assistir Gravidade. Esse caldeirão de informações me deixou interessado no mais recente longa de Cuarón.     
A respeito da história de Gravidade pouco acontece no filme (há poucas personagens e lembrei-me do longa-metragem 127 Horas, 2010, de Danny Boyle, por haver pouca ação e dirigir seu olhar para um problema específico de um sujeito determinado). Temos um pequeno grupo de astronautas trabalhando no espaço, quando são informados de que haverá uma chuva de destroços decorrente da destruição de um satélite e por essa razão devem voltar para sua nave imediatamente. Todavia, demoram um pouco para retornar a essa nave e tragédias começam a suceder-se. A primeira delas é a personagem de Sandra Bullock, uma cientista chamada doutora Ryan Stone, ficar solta pelo espaço dando voltas, perdida, tentando restabelecer o contato, porém, em vão, porque se encontra em uma espécie de “buraco negro”, ou seja, percebemos haver o não controle total, algo que me parece interessante se ocorresse na sociedade do controle, do “vigiar” onde vivemos atualmente. O curioso nessa cena é haver um silêncio silencioso – redundância de minha parte, porém é exatamente essa expressão que materializa o que tenho a intenção de expressar – que me faz refletir sobre os tempos em que vivemos. Tempos em que o silêncio não é percebido de forma austera, isto é, parece ser necessário haver ruído, som, barulho indicando que os sujeitos estão produzindo, trabalhando, criando constantemente. O silêncio silencioso em algumas cenas do filme pode indicar ainda a crise interna vivida por Ryan Stone e sua necessidade/procura de restabelecer-se como sujeito.
Evidentemente, após esse momento em que ela se encontra à deriva no espaço, a personagem de George Clooney, o astronauta Matt Kowalski, consegue restabelecer contato com ela de forma a resgatá-la e acabam ficando unidos umbilicalmente. Cenas essas muito interessantes e poéticas. Há outra cena curiosa em que Bullock reproduz uma posição fetal no Universo, como se ainda fosse preciso nascer, romper o cordão umbilical, crescer para continuar... vivendo com suas dores, sofrimentos, angústias, alegrias, conquistas, glórias, vitórias...  
Gravidade é um tanto pendular porque oscila entre momentos de tensão e relaxamento, em que há situações de descontrole e o restabelecimento do controle. Impossível não dizermos que há imagens absurdamente lindas do Universo, da Terra, e que o 3D é muito bem empregado. Inclusive, há uma cena em que a personagem de Bullock chora pelo fato de haver perdido uma filha e vemos as lágrimas saltarem em nossa direção... talvez, seja um pouco melodramática, um pouco piegas, mas como efeito, produz-me uma sensação que me agrada.
Além do mais, o filme tem alguns méritos, especialmente em relação a uma questão abordada. O fato de, para mim, o Universo ser uma metáfora de nosso inconsciente. Quiçá esteja eu influenciado pelo momento de minha vida e pelo comentário de mais uma amiga do Grupo Cinema Paradiso, Rian Botelho, que na última reunião, ocorrida em 13 de outubro, afirmou mais ou menos o seguinte: “O grande regente do Universo é o inconsciente”. A partir disto, eu penso que no longa-metragem de Cuarón o Universo é aquele “local” que não conseguimos tocar, ver, delimitar, mas sabemos que está ali. Um “local” que nos leva para lugares que não sabemos muito bem quais são, que nos faz fazer escolhas (“ocultas”) que tampouco sabemos ao certo quais são, um “local” que muitas vezes nos desestabiliza, mas que por meio de alguns “artifícios” psíquicos – alguns sujeitos não precisam de ajuda, ou se apegam à família, religião, esportes; outros necessitam de ajuda, por exemplo, de um terapeuta – conseguimos encontrar nosso eixo para ficarmos de pé (novamente) e seguirmos nossas vidas. Enfim, o filme Gravidade, a meu ver, apresenta o Universo como uma metáfora de nosso inconsciente. E após um longo período sem pisar em terra firme, flutuando, estando em crise – as cenas do espaço de certa forma remetem-me as cenas do filme Melancolia (Lars von Trier, 2011) em que Justine (Kirsten Dunst) anda afundando os pés na lama; não é à toa que “inconscientemente” optei pelo título dado a esse texto –, a personagem de Bullock consegue erguer-se, ocupar a posição Homo sapiens e começar a lidar com seu(s) eu(s).        
Marcos Eça (outubro de 2013)
P.S.: o título desse texto é baseado em um artigo de Rian Botelho, “A melancolia nossa de cada dia”, publicado no jornal Cinema Paradiso nº 296 em 05 de julho de 2011.

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