A gravidade nossa de cada dia...
Fui assistir ao
filme Gravidade (2012) de Alfonso
Cuarón – diretor mexicano que fez o interessante E sua mãe também (Y tu mamá también, 2001) – por alguns motivos. O
primeiro deles é ter lido a crítica de Luiz Carlos Merten no jornal “O Estado
de São Paulo” de 11 de outubro de 2013 onde ele afirmava ser um filme
deslumbrante; o segundo, é ter aberto o Festival de Veneza desse ano; o
terceiro, é minha amiga Leonor Cione, do grupo Cinema Paradiso haver feito alguns comentários interessantes acerca
dessa obra. Por último, li um comentário de um rapaz no facebook destruindo o
filme, dizendo que havia se arrependido de haver pagado a entrada para assistir
Gravidade. Esse caldeirão de
informações me deixou interessado no mais recente longa de Cuarón.
A respeito da história de Gravidade
pouco acontece no filme (há poucas personagens e lembrei-me do longa-metragem 127 Horas, 2010, de Danny Boyle, por
haver pouca ação e dirigir seu olhar para um problema específico de um sujeito
determinado). Temos um pequeno grupo de astronautas trabalhando no espaço,
quando são informados de que haverá uma chuva de destroços decorrente da
destruição de um satélite e por essa razão devem voltar para sua nave
imediatamente. Todavia, demoram um pouco para retornar a essa nave e tragédias
começam a suceder-se. A primeira delas é a personagem de Sandra Bullock, uma
cientista chamada doutora Ryan Stone, ficar solta pelo espaço dando voltas,
perdida, tentando restabelecer o contato, porém, em vão, porque se encontra em
uma espécie de “buraco negro”, ou seja, percebemos haver o não controle total,
algo que me parece interessante se ocorresse na sociedade do controle, do
“vigiar” onde vivemos atualmente. O curioso nessa cena é haver um silêncio silencioso – redundância de
minha parte, porém é exatamente essa expressão que materializa o que tenho a
intenção de expressar – que me faz refletir sobre os tempos em que vivemos.
Tempos em que o silêncio não é percebido de forma austera, isto é, parece ser
necessário haver ruído, som, barulho indicando que os sujeitos estão
produzindo, trabalhando, criando constantemente. O silêncio silencioso em algumas cenas do filme pode indicar ainda a
crise interna vivida por Ryan Stone e sua necessidade/procura de
restabelecer-se como sujeito.
Evidentemente, após esse momento em que ela se encontra à deriva no
espaço, a personagem de George Clooney, o astronauta Matt Kowalski, consegue
restabelecer contato com ela de forma a resgatá-la e acabam ficando unidos
umbilicalmente. Cenas essas muito interessantes e poéticas. Há outra cena curiosa
em que Bullock reproduz uma posição fetal no Universo, como se ainda fosse
preciso nascer, romper o cordão umbilical, crescer para continuar... vivendo
com suas dores, sofrimentos, angústias, alegrias, conquistas, glórias, vitórias...
Gravidade
é um tanto pendular porque oscila entre momentos de tensão e relaxamento, em
que há situações de descontrole e o restabelecimento do controle. Impossível
não dizermos que há imagens absurdamente lindas do Universo, da Terra, e que o
3D é muito bem empregado. Inclusive, há uma cena em que a personagem de Bullock
chora pelo fato de haver perdido uma filha e vemos as lágrimas saltarem em
nossa direção... talvez, seja um pouco melodramática, um pouco piegas, mas como
efeito, produz-me uma sensação que me agrada.
Além do mais, o filme tem alguns méritos, especialmente em relação a uma
questão abordada. O fato de, para mim, o Universo ser uma metáfora de nosso
inconsciente. Quiçá esteja eu influenciado pelo momento de minha vida e pelo
comentário de mais uma amiga do Grupo Cinema
Paradiso, Rian Botelho, que na última reunião, ocorrida em 13 de outubro,
afirmou mais ou menos o seguinte: “O grande regente do Universo é o
inconsciente”. A partir disto, eu penso que no longa-metragem de Cuarón o
Universo é aquele “local” que não conseguimos tocar, ver, delimitar, mas
sabemos que está ali. Um “local” que nos leva para lugares que não sabemos
muito bem quais são, que nos faz fazer escolhas (“ocultas”) que tampouco
sabemos ao certo quais são, um “local” que muitas vezes nos desestabiliza, mas
que por meio de alguns “artifícios” psíquicos – alguns sujeitos não precisam de
ajuda, ou se apegam à família, religião, esportes; outros necessitam de ajuda,
por exemplo, de um terapeuta – conseguimos encontrar nosso eixo para ficarmos
de pé (novamente) e seguirmos nossas vidas. Enfim, o filme Gravidade, a meu ver, apresenta o Universo como uma metáfora de
nosso inconsciente. E após um longo período sem pisar em terra firme,
flutuando, estando em crise – as cenas do espaço de certa forma remetem-me as
cenas do filme Melancolia (Lars von
Trier, 2011) em que Justine (Kirsten Dunst) anda afundando os pés na lama; não
é à toa que “inconscientemente” optei
pelo título dado a esse texto –, a personagem de Bullock consegue erguer-se,
ocupar a posição Homo sapiens e
começar a lidar com seu(s) eu(s).
Marcos Eça (outubro de 2013)
P.S.: o título
desse texto é baseado em um artigo de Rian Botelho, “A melancolia nossa de cada
dia”, publicado no jornal Cinema Paradiso
nº 296 em 05 de julho de 2011.
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