terça-feira, 29 de outubro de 2013

Chomsky e as 10 Estratégias de Manipulação da Mídia


Chomsky e as 10 Estratégias de Manipulação da Mídia:

O linguista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranquilas')”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegar o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranquilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.

Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.

Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.

No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Gravidade de Alfonso Cuarón

A gravidade nossa de cada dia...
 

Fui assistir ao filme Gravidade (2012) de Alfonso Cuarón – diretor mexicano que fez o interessante E sua mãe também (Y tu mamá también, 2001) – por alguns motivos. O primeiro deles é ter lido a crítica de Luiz Carlos Merten no jornal “O Estado de São Paulo” de 11 de outubro de 2013 onde ele afirmava ser um filme deslumbrante; o segundo, é ter aberto o Festival de Veneza desse ano; o terceiro, é minha amiga Leonor Cione, do grupo Cinema Paradiso haver feito alguns comentários interessantes acerca dessa obra. Por último, li um comentário de um rapaz no facebook destruindo o filme, dizendo que havia se arrependido de haver pagado a entrada para assistir Gravidade. Esse caldeirão de informações me deixou interessado no mais recente longa de Cuarón.     
A respeito da história de Gravidade pouco acontece no filme (há poucas personagens e lembrei-me do longa-metragem 127 Horas, 2010, de Danny Boyle, por haver pouca ação e dirigir seu olhar para um problema específico de um sujeito determinado). Temos um pequeno grupo de astronautas trabalhando no espaço, quando são informados de que haverá uma chuva de destroços decorrente da destruição de um satélite e por essa razão devem voltar para sua nave imediatamente. Todavia, demoram um pouco para retornar a essa nave e tragédias começam a suceder-se. A primeira delas é a personagem de Sandra Bullock, uma cientista chamada doutora Ryan Stone, ficar solta pelo espaço dando voltas, perdida, tentando restabelecer o contato, porém, em vão, porque se encontra em uma espécie de “buraco negro”, ou seja, percebemos haver o não controle total, algo que me parece interessante se ocorresse na sociedade do controle, do “vigiar” onde vivemos atualmente. O curioso nessa cena é haver um silêncio silencioso – redundância de minha parte, porém é exatamente essa expressão que materializa o que tenho a intenção de expressar – que me faz refletir sobre os tempos em que vivemos. Tempos em que o silêncio não é percebido de forma austera, isto é, parece ser necessário haver ruído, som, barulho indicando que os sujeitos estão produzindo, trabalhando, criando constantemente. O silêncio silencioso em algumas cenas do filme pode indicar ainda a crise interna vivida por Ryan Stone e sua necessidade/procura de restabelecer-se como sujeito.
Evidentemente, após esse momento em que ela se encontra à deriva no espaço, a personagem de George Clooney, o astronauta Matt Kowalski, consegue restabelecer contato com ela de forma a resgatá-la e acabam ficando unidos umbilicalmente. Cenas essas muito interessantes e poéticas. Há outra cena curiosa em que Bullock reproduz uma posição fetal no Universo, como se ainda fosse preciso nascer, romper o cordão umbilical, crescer para continuar... vivendo com suas dores, sofrimentos, angústias, alegrias, conquistas, glórias, vitórias...  
Gravidade é um tanto pendular porque oscila entre momentos de tensão e relaxamento, em que há situações de descontrole e o restabelecimento do controle. Impossível não dizermos que há imagens absurdamente lindas do Universo, da Terra, e que o 3D é muito bem empregado. Inclusive, há uma cena em que a personagem de Bullock chora pelo fato de haver perdido uma filha e vemos as lágrimas saltarem em nossa direção... talvez, seja um pouco melodramática, um pouco piegas, mas como efeito, produz-me uma sensação que me agrada.
Além do mais, o filme tem alguns méritos, especialmente em relação a uma questão abordada. O fato de, para mim, o Universo ser uma metáfora de nosso inconsciente. Quiçá esteja eu influenciado pelo momento de minha vida e pelo comentário de mais uma amiga do Grupo Cinema Paradiso, Rian Botelho, que na última reunião, ocorrida em 13 de outubro, afirmou mais ou menos o seguinte: “O grande regente do Universo é o inconsciente”. A partir disto, eu penso que no longa-metragem de Cuarón o Universo é aquele “local” que não conseguimos tocar, ver, delimitar, mas sabemos que está ali. Um “local” que nos leva para lugares que não sabemos muito bem quais são, que nos faz fazer escolhas (“ocultas”) que tampouco sabemos ao certo quais são, um “local” que muitas vezes nos desestabiliza, mas que por meio de alguns “artifícios” psíquicos – alguns sujeitos não precisam de ajuda, ou se apegam à família, religião, esportes; outros necessitam de ajuda, por exemplo, de um terapeuta – conseguimos encontrar nosso eixo para ficarmos de pé (novamente) e seguirmos nossas vidas. Enfim, o filme Gravidade, a meu ver, apresenta o Universo como uma metáfora de nosso inconsciente. E após um longo período sem pisar em terra firme, flutuando, estando em crise – as cenas do espaço de certa forma remetem-me as cenas do filme Melancolia (Lars von Trier, 2011) em que Justine (Kirsten Dunst) anda afundando os pés na lama; não é à toa que “inconscientemente” optei pelo título dado a esse texto –, a personagem de Bullock consegue erguer-se, ocupar a posição Homo sapiens e começar a lidar com seu(s) eu(s).        
Marcos Eça (outubro de 2013)
P.S.: o título desse texto é baseado em um artigo de Rian Botelho, “A melancolia nossa de cada dia”, publicado no jornal Cinema Paradiso nº 296 em 05 de julho de 2011.

domingo, 13 de outubro de 2013

Vamos à parada LGBT com os pés no chão! - Jean Wyllys

Vamos à parada LGBT com os pés no chão!
Este domingo, mais uma vez, vamos nos juntar às milhares de pessoas que participarão da Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro, um dos maiores eventos políticos de visibilidade, celebração e luta pela cidadania plena de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no mundo.
Agradeço o convite da organização da Parada para desfilar em um dos trios, mas vou declinar em razão da oportunidade de poder concretizar agora, na Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro, o desejo de marchar no chão, juntamente com todos e todas. Uma proposta que eu apresentei, em Junho, à organização da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.
E eu gostaria muito de marchar com você, com os pés no chão. Convido todas e todos a formarmos um grande cordão de pessoas que querem não somente festejar esse momento que é, sim, um importante ato de celebração e de visibilidade – mas também que querem mudar o país.
Junto aos companheiros e companheiras do meu mandato, e de diversos grupos independentes que se organizam em diversas lutas a favor da cidadania, vamos nos encontrar em frente ao Hotel Sofitel, próximo ao forte de Copacabana, para marcharmos juntos e participarmos da parada levando nossas reivindicações como comunidade e também apoiando outras lutas, porque independentemente de nossa orientação sexual e/ou identidade de gênero, somos parte de um mesmo povo.
Vamos marchar sem bandeiras partidárias (embora reivindiquemos o direito de todos nós a nos organizarmos politicamente), levando, entre outras, as seguintes reinvidicações:
- Defesa do Estado laico e das liberdades individuais! Não ao fundamentalismo e a intolerância religiosa!;
- Recuperação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, hoje tomada pelos fundamentalistas, para que cumpra seu verdadeiro papel; e não à extinção da Comissão de Direitos Humanos do Senado!;
- Aprovação da lei do casamento civil igualitário (PL-5120) e da PEC para garantir esse direito na Constituição;
- Aprovação da lei de identidade de gênero João Nery (PL-5002);
-  Por uma educação não homofóbica, com plena igualdade de gênero e respeito à diversidade sexual na escola. Não aobuyilling homofóbico!;
- Por políticas públicas de inclusão social e combate ao preconceito contra as pessoas LGBT;
- Aprovação da criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero (PLC-122).
Mas a parada LGBT não pode ficar alheia a outras lutas contra a opressão, a discriminação e a injustiça social. Por isso, também defendemos:
- Apoio à greve dos profissionais da educação!;
- Pelo direito à livre manifestação: basta de repressão policial e criminalização dos protestos!
- Desmilitarização e democratização da polícia, como força de segurança e não de repressão contra o povo;
- Não às remoções da Copa;
- Pelo direito da mulher a decidir sobre o seu corpo: aborto legal, seguro e gratuito;
- Contra a repressão e pelo direito à terra dos povos indígenas;
- Contra a intolerância religiosa e a perseguição ao povo de santo;
- Aprovação da lei Gabriela Leite, pelos direitos dos/as trabalhadores/as sexuais (PL-4211);
- Não à internação compulsória!; pelo fim da política de guerra aos pobres: legalização das drogas, respeito aos direitos individuais dos usuários e tratamento do abuso na perspectiva da saúde;
Espero que estas ideias se espalhem por todas as paradas, daqui para frente,  e pelo Brasil inteiro! Confirme sua presença aqui e venha comigo com os pés no chão! A gente se vê domingo às 13hem frente ao Hotel Sofitel, próximo ao forte de Copacabana, no posto 06.
Traga o seu cartaz!
Jean Wyllys

Exercícios de ser criança - Manoel de Barros

Exercícios de ser criança
Manoel de Barros

No aeroporto o menino perguntou:
- E se o avião tropicar num passarinho?
O pai ficou torto e não respondeu.
O menino perguntou de novo:
- E se o avião tropicar num passarinho triste?
A mãe teve ternuras e pensou:
Será que os absurdos não são as maiores virtudes
da poesia?
Será que os despropósitos não são mais carregados
de poesia do que o bom senso?
Ao sair do sufoco o pai refletiu:
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com
as crianças.
E ficou sendo.

Les trois inventeurs / Los tres inventores - Michel Ocelot (1980)

Um primor...

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=R41L8g_LQ_M

Abraço divinal a todos,
Marcos Eça.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Luiz Ruffato faz duras críticas ao Brasil na abertura em Frankfurt

Luiz Ruffato faz duras críticas ao Brasil na abertura em Frankfurt

O escritor mineiro Luiz Ruffato, escalado ao lado da presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Ana Maria Machado, para discursar na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, fez duras críticas à desigualdade social no país e à violência histórica contra índios, negros, mulheres e homossexuais. No final, encerrou dizendo que, com os seus livros, quer "afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo" e foi muito aplaudido. Perguntado sobre o motivo de um discurso tão contundente, Ruffato respondeu:
- Foi uma homenagem ao meu pai e à minha mãe - contou ele ao GLOBO.

Leia abaixo a íntegra do discurso de Ruffato:

"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século XXI, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.
O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro – é a alteridade que nos confere o sentido de existir –, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.
Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus commulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.
Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros,executivos, jornalistas, artistas plásticos, cineastas, escritores.
Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania – moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade –, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não-pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...

Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios – o semelhante torna-se o inimigo.

A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.

Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados.

Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade.

E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.

O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais – ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.

A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.

Mas, temos avançado.

A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia – são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.

Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, mas privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em
dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.

Nós somos um país paradoxal.

Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo – amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão-de-obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.

Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos...

Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?

Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro – seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual – como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."
Abraço compartilhado a todos,
Marcos Eça.

sábado, 5 de outubro de 2013

Um casal bem normal

Um casal bem normal - Contardo Calligaris


O papa Francisco, recentemente, lembrou que a Igreja Católica não deve se esquecer que ela tem, antes de mais nada, missões positivas --de obras e de fé. Claro, ela pode se opor tanto ao casamento gay quanto ao aborto, mas sem confundir essas preocupações com o essencial de seu ministério. Seria fácil acrescentar que, de qualquer forma, em matéria de proibição, a Igreja só escreveu as páginas mais nefastas de sua história.
Enfim, a fala do papa assinala que provavelmente, aos poucos, o casamento gay se tornará, por assim dizer, usual. Nas próximas décadas, senão nos próximos anos, ele integrará as modalidades habituais de amor e convivência. O casamento gay nos parecerá tão normal quanto o casamento heterossexual.
Visto que eu prezo a liberdade individual, só me restaria festejar. E festejo, mas com uma reserva: não gostaria que a aceitação do casamento gay criasse uma espécie de boa consciência coletiva, segundo a qual estaríamos fazendo as pazes com a diversidade do mundo e a variedade do amor e do desejo.
Nada disso: começaremos a entender e aceitar a diversidade do mundo quando pararmos de imaginar que o casamento heterossexual seja algum tipo de baluarte contra a bizarrice do sexo e do desejo. Ou seja, na hora em que o casamento gay está sendo normalizado, é urgente se lembrar de que o casamento heterossexual só foi e é "normal" em aparência.
Se você quiser chacoalhar um pouco suas ideias em matéria de casamento heterossexual e de "normalidade", ainda há uma chance.
Depois de uma temporada no Centro Cultural São Paulo e outra nos Satyros, "Lou & Leo", de Nelson Baskerville e Leo Moreira Sá, volta brevemente, a partir de amanhã, no Teatro do Ator, em São Paulo, na praça Roosevelt (dia 4 de outubro às 23h, dias 11, 18 e 25 de outubro às 21h30).
A peça dramatiza a história da aventurosa vida do próprio Leo, que faz o papel de si mesmo. Leo nasceu Lou, foi baterista das Mercenárias (famosa banda rock punk dos anos 1980), envolveu-se com tráfico de drogas, passou anos preso (ou presa, no caso, por isso acontecer, inevitavelmente, em presídios femininos) e se tornou homem e ator.
Mais importante aqui é que o grande amor da vida de Leo foi Gabi (na peça, a ótima Beatriz Aquino). Leo e Gabi se amaram e se casaram, no civil, em 2002 (divorciaram em 2012). Se o casal quisesse, o casamento poderia ter sido celebrado no religioso também.
Você perguntará: como foi possível, se Leo, juridicamente ainda era Lourdes? Foi casamento gay em 2002? Nada disso, foi um casamento absolutamente normal, entre um homem e uma mulher: se Leo tinha nascido e estava registrado como Lourdes, Gabi tinha nascido e estava registrada como Carlos.
Para o cartório que os casou, portanto, Carlos e Lourdes eram um casal heterossexual. De fato, Lou (que era quase Leo) queria ser o homem para uma mulher. E Carlos (que já era Gabi) procurava um homem para quem ser mulher.
Em suma, foi um amor improvável. Mas, para que alguém se transformando de mulher para homem pudesse se casar com um travesti (como Gabi se via na época), não precisou que existisse o casamento gay: o casamento heterossexual, em sua "normalidade", foi suficiente.
Claro, a história de Leo e Gabi é um caso extremo, paradoxal. Mas sua estranheza não deveria esconder sua "banalidade". "Banalidade"? Isso mesmo. O casamento de Leo e Gabi é "banal", não porque seria corriqueiro o amor entre um transexual e um travesti, mas porque (sem exagero) o amor e o sexo, em qualquer casal dito heterossexual, são quase sempre tão paradoxais quanto o amor e o sexo entre Leo e Gabi.
Na peça, há momentos francamente engraçados. Um deles é quando se trata dos começos do casal: para Leo, a presença de um pênis entre as pernas de Gabi podia ser supérflua e incômoda, enquanto, para Gabi, talvez o problema fosse a ausência de um pênis entre as pernas de Leo. Lembrei-me imediatamente de um casal heterossexual no qual ambos declaravam que, na transa, nenhum deles sabia mais de quem era o pênis.
Enfim, por sorte dos heterossexuais, a heterossexualidade não implica nem garante nenhuma "normalidade". A grandíssima maioria dos casais heterossexuais são bizarros (ou seja, singulares), a começar por aqueles que passam a vida sem sexo ou quase.
Ou seja, gays ou héteros, somos, de fato, todos anormais.


Abraço Agêneros a todos,
Marcos Eça.